A origem da maçonaria especulativa – Estado das teorias

De todos os debates relacionados com a história da Maçonaria, referente às origens da Maçonaria especulativa não se deve duvidar um instante de que é um dos mais fundamentais.

Agora, na França, esse assunto apareceu mais ou menos recentemente, e eu contribuí modestamente a que se conhecesse em 1989, publicando-o na Revista Renaissance Traditionnelle, através de dois longos artigos em que manifestava precisamente sobre que esta questão pode existir e existe um debate sério, expondo pela primeira vez em francês uma parte fundamental dos estudos realizados até esse momento na Inglaterra e na Escócia, desde o início dos anos setenta.

O simples fato de levantar a questão das origens da Maçonaria Especulativa, e para dizer claramente as coisas, mencionar a ausência de afiliação direta com a Maçonaria operativa medieval como uma hipótese simplesmente possível, foi suscitado em diferentes meios, e se viu em diferentes estudos, por vezes com reações francamente hostis, às vezes chegando às raias da irracionalidade.

Observo que, desde então, vários autores, em diferentes estudos e algumas obras, consideraram útil mencionar esse debate, já dado como inevitável e, portanto, era necessário examinar, pelo menos, as teorias da substituição e a teoria clássica da transição geralmente considerados como dignas de crédito dentro da Maçonaria.

É obviamente na Inglaterra e na Escócia, onde acontece todo um progresso considerável a esse respeito, embora não se possa negar que existem certas oposições, e que estas se expressem de bom grado. No entanto, a emoção suscitada por este novo problema, e o próprio fato de se estar, até certo ponto diante do “debate sobre o debate”, obrigam-me, antes de abordar o núcleo da questão, a regressar à moda de um preâmbulo necessário e quase obrigatório a tecer algumas considerações metodológicas que valem em si mesmas para o todo este trabalho.

Nosso estudo, por trinta anos, endossou a posição definida em 1947 por dois grandes historiadores ingleses da Maçonaria: Knoop e Jones, manifestada no prólogo da primeira edição de sua obra principal The Genesis of Freemasonry:

Em primeiro lugar, advertem os autores, embora tenha sido até agora habitual pensar na história da Maçonaria como uma questão separada da história comum, justificando assim um tratamento especial, pensamos que se trata de um ramo da história social, do estudo de uma instituição social particular e das ideias que estruturam esta instituição, e que se deve abordar e escrever exatamente da mesma forma que a história de outras instituições sociais.

Só temos que retomar a essas observações que aprovamos sem reservas, convencidos de que não há outro caminho possível na pesquisa histórica. Essa é uma escolha obviamente importante que, inevitavelmente, está longe de ser compartilhada pela unanimidade dos autores que trabalham na história maçônica.

Assim como a história de algumas religiões e de algumas igrejas, tratadas com objetividade, às vezes dolorosa para o historiador, visto que envolve conflitos muito vívidos com alguns fiéis que se recusam a observar e digerir sua própria história, é o que acontece com a historiografia maçônica que chamaremos de “a história secular” da Maçonaria, e que é um obstáculo do qual o historiador da Maçonaria deve estar plenamente consciente.

Há mais de quinze anos, o estudioso inglês John Hamill, que foi durante muito tempo bibliotecário da Grande Loja Unida da Inglaterra e curador de seus fabulosos arquivos e seu museu, em sua obra intitulada The Craft (que foi republicada em 1994 com um trabalho revisado em seu fundo e forma com o título: History of English Freemasonry), onde já se expressava claramente sobre essa dificuldade:

“Há então dois tipos de abordagem da história maçônica: o enfoque, propriamente dito, como “autêntico” ou científico, segundo o qual uma teoria se funda e se desenvolve a partir de fatos verificáveis ou de documentos; e a chamada abordagem “não autêntica” que se esforça por recolocar a Maçonaria no contexto da tradição do Mistério, procurando ligações entre os ensinamentos, as alegorias e o simbolismo da Maçonaria, de um lado, e as diferentes tradições esotéricas, de outro. A ausência de algum conhecimento sobre o período das origens da Maçonaria, e a diversidade de enfoques possíveis certamente explicam por que esse problema continua a ser tão cativante. […] Saber se algum dia descobriremos as verdadeiras origens da Maçonaria é uma questão que permanece sem resposta.”

Com essa perspectiva, gostaria de contribuir com algumas reflexões sobre o problema das origens da Maçonaria Especulativa, e o faço, não apresentando catálogos pesados ​​e entediantes de teorias mais ou menos baseadas em fatos ou documentos escrupulosamente analisados, mas como uma síntese de dez anos de trabalho, de reflexões e investigações pessoais sobre este assunto que agora exponho.

Vulgata maçônica: a teoria da transição

A tese mais antiga e difundida é aquela que expõe a maioria das obras consagradas à história maçônica na França, que compartilha espontaneamente a grande maioria dos maçons, e que necessariamente não examina a questão profundamente. É a teoria conhecida como Transição.

Até mesmo na rigorosa escola histórica da Maçonaria inglesa, fundada no final do século passado por Gould e Hughan, essa teoria foi ensinada durante muito tempo. Nas últimas décadas, seu mais brilhante defensor foi o erudito Harry Carr, que tem sobre o resto dos historiadores da Inglaterra uma posição intelectual preeminente e estimável. Esta teoria, diz que ao sair da Idade Média, a Maçonaria Operativa, que então contava com uma organização com lojas e usos rituais, sofreu um certo declínio, por causa de mudanças econômicas que afetaram o ofício da construção.

Na Grã-Bretanha, e em particular na Escócia, no final do Renascimento e, mais especificamente, no decorrer do século XVII, o produto de uma transformação sensível na Instituição, homens alheios ao Craft foram ocupando frequentemente posições importantes, geralmente desempenhadas por intelectuais que de bom grado eram atraídos pelas especulações resultantes da corrente vigente na época, de raízes alquimistas e neoplatônicas nascidas em Florença no século XV, combinadas com a tradição Rosa-Cruz, muito difundida desde o início do século XVII. Esses indivíduos haviam entrado nas lojas em momentos em que elas estavam quase moribundas.

Esses Maçons Aceitos, pouco a pouco, aumentaram seu número e influência ao ponto de se tornarem maiorias dentro das lojas, chegando até certo ponto a eliminar os maçons operativos, tornando-se desse modo estranhos em sua própria instituição. Esta Vulgata, também implica algumas alternativas, e às vezes integra o que poderia ser chamado de lendas complementares.

A primeira dessas lendas, por exemplo, é o tema dos Maîtres Comacins, esses misteriosos maçons italianos que, em virtude de renomadas franquias que lhes foram conferidas pelo Papa – e que de resto justificariam a expressão franc-maçon – cruzaram toda a Europa, estendendo seu conhecimento arquitetônico, geométrico e esotérico, fertilizando assim os primeiros germes da Maçonaria Especulativa. Já mostrei em outro lugar, há alguns anos, de onde vem essa fábula sem nenhuma fundamentação documental, e como em um jogo de sucessivas cópias sem verificação das fontes, essa lenda foi adquirindo sinais de verdade.

Outro componente, muitas vezes confuso, mas muito vivo dentro da teoria da transição, é a hipótese compagnonica. Não é o momento de mostrar em detalhe as contradições e inverosimilhanças, no entanto, neste ponto, destacaremos que há uma confusão grave e frequente entre a Maçonaria Operativa, como pode existir, sob formas extremamente diversificadas no resto da Europa da Idade Média, na França, Grande Grã-Bretanha e Alemanha, por exemplo, com estatutos muitas vezes bem diferenciados, e a própria Corporação de Companheirismo. Organização de origem essencial, que por muito tempo foi quase exclusivamente francesa, e cujas origens históricas parecem certificadas até o século XV, mas sobre os usos dessa irmandade, lembremo–nos, temos pouca informação substancial ou confiável, pelo menos antes do final do século XVIII.

Em todo caso, é importante enfatizar o fato de que a Maçonaria Especulativa se formou, em condições ainda duvidosas, durante o século XVII na Grã-Bretanha, e nunca havia conhecido, nem coincidido com a Guilda de Companheirismo, pelo menos neste momento da fundação.

Que se possa situar a questão como organizações ligadas aos ofícios da construção – mas não exclusivamente para a Guilda de Companheiros – nas semelhanças de formas e usos, não deveria nos surpreender, mas devemos sempre ter em mente sempre este provérbio que todo historiador escrupuloso não deve esquecer “comparação não é razão” …

Uma crítica radical da transição

Foi necessário esperar até os anos setenta para que houvesse uma crítica decisiva que levasse adiante a teoria da transição. Foi o trabalho, em particular, de um notável pesquisador inglês: Eric Ward.

A crítica de Eric Ward baseia-se no significado classicamente associado a algumas das palavras-chave usadas pela teoria da transição. Citarei alguns exemplos.

Freemason, free-mason:

A origem e o significado da palavra freemason é um bom exemplo das ambiguidades exploradas pela teoria clássica. E. Ward pode demonstrar definitivamente que, ao contrário de todas as etimologias fantasiosas que correm hoje no mundo maçônico, a palavra freemason não pertence à Idade Média, já que é uma conformação de duas palavras freestone mason – maçom de pedra livre – designando assim um trabalhador que trabalha seletivamente uma certa qualidade de pedra macia que pode ser cortada e trabalhada de maneira muito fina.

Agora, se tomarmos os primeiros testemunhos relativos aos maçons ingleses não-operativos do século XVII, observamos que estes Maçons Aceitos são também indiferentemente designados pelas palavras Free Masons, ou Free-masons, com ou sem hífen, mas sempre com duas palavras.

Tudo indica claramente que, a partir do final do século XVII e início do XVIII, os termos Aceito e Livre são equivalentes a designar maçons não operativos. Mas conforme observado por E. Ward, em uma análise muito inteligente, freemason não é Free-Mason. A palavra free em Free-Mason ou Free and Accepted Mason simplesmente se refere ao fato de esses “novos” Maçons são “livres” em relação ao ofício, quer dizer, simplesmente alheios ao ofício.

Em resumo, a identidade fonética e a proximidade morfológica das palavras freemason (palavra muito antiga, derivado do anglo normando e ligada à prática operativa) e Free-Mason, não devem nos fazer esquecer a verdadeira diferença semântica, e não podem nos autorizar a procurar e introduzir um parentesco entre homens de diferentes épocas, que levavam esses nomes por razões evidentemente muito diferentes.

As lojas operativas inglesas

Outro problema apresentado é o fato de que a maçonaria especulativa nasceu na Inglaterra, no exato sentido do termo. Agora, sabemos que não existe documento que comprove que pessoas alheias ao ofício tenham sido admitidas nas lojas operativas inglesas.

Por outro lado, a realidade das lojas operativas – dentro do significado que podemos dar à palavra loja, à luz da maçonaria especulativa: uma estrutura permanente, regulando e controlando o Craft em todas as partes do território, providas de usos rituais. específicos – é um fato problemático em terras inglesas, já que não há traço histórico disso.

Além disso, algumas raras lojas operativas, muito tardias, curiosamente conhecidas apenas na Inglaterra, continuaram sendo operativas até seu desaparecimento. Não se pode, senão voltar ao estudo magistral de Knoop e Jones, The Medieval Mason, cuja primeira edição apareceu em 1933, e não deixa de ser notável que esta obra tenha sido publicada por historiadores profissionais, fora dos círculos usuais da erudição maçônica, e que tenhamos resgatado há apenas quarenta anos, e é o que nos coloca uma certeza: que na origem, as lojas maçônicas que aparecem na Inglaterra são puramente especulativas.

A loja de Chester, com efeito, era operativa e se desenvolve em meados do século XVII. Ela é muito bem estudada por historiadores ingleses, e teve uma existência transitória, pelo qual constitui praticamente um “hapax” na História maçônica inglesa.

Mesmo em relação à famosa Acception de Londres, do século XVII, inadequadamente qualificada como uma loja, já que este termo nunca aparece em seus anais, e erroneamente citada como testemunho da transição especulativa, é preciso dizer que ninguém sabe quem tomou a iniciativa de fundá-la, nem por que motivo. Este círculo de lojas constituído à margem da Companhia de Maçons de Londres, foi a única Guilda organizada conhecida na Inglaterra pelo ofício de pedreiro, cuja autoridade nunca se estendeu além do entorno de Londres.

Acception dentro da história maçônica deixa dois finos traços documentais: em 1610 e, em seguida, em 1686, no relatório de Elias Ashmole. Não se conhece nenhuma outra estrutura comparável na Inglaterra, nem então nem mais tarde. Parece ter sido uma espécie de clube que recebia, de acordo com a fórmula muito clássica de patrocínio que também será conhecida na Escócia, notáveis ​​e personalidades susceptíveis de favorecer o ofício.

Lembremo-nos, acima de tudo, de que os operativos, deviam admitir-se no seio da loja que controlavam, uma vez que não eram membros por direito. É por isso que a Companhia dos Maçons de Londres persistiu até nossos dias, e as Acceptions desapareceram sem deixar nenhuma descendência conhecida.

De modo algum se podem opor coisas que parecem se apresentar de maneiras diferentes, e em âmbitos muito distintos, tais como a Escócia, onde, no início do século XVII, a entrada de notáveis ​​em lojas operativas organizadas parece certa.

Teremos a oportunidade de voltar novamente sobre esse caso. De fato, o assunto da Escócia é muito interessante. Observemos, por enquanto, que a Escócia era, até o início do século XVII, um país estrangeiro e inimigo da Inglaterra, que havia muito poucas relações entre um e outro e que a existência de lojas operativas em Edimburgo ou Kilwinning, não explica por si mesmas as circunstâncias do surgimento de uma Maçonaria puramente especulativa, ao mesmo tempo que no sul da Inglaterra.

A hipótese do empréstimo

A partir da crítica a esta teoria, nasceu no início dos anos setenta, o que se pode chamar de uma contrateoria. Essencialmente negativa, pode-se dizer, esta não se propõe resolver positivamente a questão das origens da Maçonaria, mas sugere que a Maçonaria especulativa, ao contrário do que a teoria da transição afirma, teria uma origem deliberadamente emprestada com textos e práticas que pertencem ou que pertenciam aos operativos, mas de maneira totalmente independente, sem filiação direta ou autorização.

A maçonaria especulativa, portanto, não teria mantido, desde sua fundação, laços puramente nominais, mas, na melhor das hipóteses, laços alegóricos com os construtores das catedrais. Deixando, até certo ponto, a Maçonaria especulativa órfã de sua tradição fundadora, o questionamento levantado por E. Ward, e que levou à erudição maçônica inglesa procurar um modelo de substituição à teoria da transição, a partir de agora muito pouco operativa em sua formulação clássica, “Ce chantier est toujours en cours”.

Novos olhares sobre as Antigas Obrigações

A essa primeira pergunta veio a se juntar outra mais positiva na proposta que em 1986 lançou o grande erudito inglês Colin Dyer.

Esta teoria baseia-se em primeiro lugar na reconsideração da filiação desses textos fundamentais da tradição maçônica inglesa, que são as Antigas Obrigações (“Anciens Devoirs” ou “Old Charges”). Sabe-se, de fato, que entre as duas versões mais antigas conhecidas estão o Regius e o manuscrito Cooke, datados ambos por volta de 1400, e as versões seguintes que existem, mais de 130 atualmente, e colocadas em um índice até o século XVIII, tendo um período documental silencioso que chega a aproximadamente 150 anos.

Por outro lado, a partir da década de 1580, houve novamente uma quantidade crescente de textos das Antigas Obrigações. Agora, sabemos, graças à menção feita pelo Manuscrito Ms. Sloane 3848, que serviu para a iniciação de Elias Ashmole em 1646 na Loja Warrington, uma cópia das Antigas Obrigações era um tipo de ferramenta de trabalho essencial em Lojas especulativas inglesas, em particular o momento da recepção.

Naquele momento, tratava-se de uma cerimônia muito simples e breve para proceder a aceitação de um candidato. Isto é, admitido como um fato muito geral e, acima de tudo, sabendo que até o final do século XVI, aparentemente, não existia nenhuma loja operativa.

A hipótese de trabalho proposta por C. Dyer é estudar o conteúdo dessas novas versões das Antigas Obrigações, para obter um testemunho sobre o espírito e os usos especulativos ingleses daqueles que poderiam ter aparecido ao mesmo tempo que esses mesmos textos, isto é, muito mais cedo do que geralmente se pensa.

Os dois textos mais antigos disponíveis hoje, para esta “segunda onda”, são os Ms. Melrose, do qual se tem uma cópia datada de 1674, mas que alega referir-se a um original – desconhecido até hoje – de 1581, e especialmente o Ms. Grand Lodge n ° 1 que tem uma data clara de 1583, e que são interessantes para um estudo comparativo do seu conteúdo, com a antiga versão de referência que é o Ms. Cooke.

As diferenças observadas se resumem essencialmente em dois grupos:

  • Algumas atestam que esses novos documentos provavelmente não tiveram uso operativo e que os escritores provavelmente não pertenciam ao ofício de pedreiro. Assim, por exemplo, as condições antigas, relativas à obrigação de todo o Mestre de Obras – isto é, todo patrão – de proporcionar a substituição de todo trabalhador que não realizasse seu trabalho em tempo hábil e pagar-lhe somente pelo trabalho realizado foram simplesmente suprimidas
  • Outras obrigações surgem e têm significados morais e religiosos interessantes:
  1. A obrigação de servir lealmente ao senhor para quem se trabalha é substituída por um compromisso de fidelidade “a Deus e à Santa Igreja”. É necessário observar que este compromisso aparecia no Ms. Cooke sob a fórmula: “Deus, a Santa Igreja e todos os Santos”.
  2. A supressão dessa última menção tem obviamente um significado religioso provável, uma vez que prescreve que todo Maçom nunca deve cair no erro ou heresia de não ser em qualquer circunstância, um homem discreto e prudente.

No total, as diferenças observadas entre as duas séries de textos levam C. Dyer, à conclusão de que depois de um silêncio de mais de cento e cinquenta anos, o Ms. Grand Lodge n° 1 não é de forma alguma uma simples cópia, mais ou menos abreviada do Cooke, mas um documento totalmente novo, que introduz numerosas regras que não se referem diretamente à prática operativa, mas têm um caráter moral especificamente religioso.

O estudo mais detalhado da ortografia usada para os nomes bíblicos mostrados, por outro lado, no Ms. Grand Lodge, mostra que se fez uso das bíblias publicadas na Inglaterra depois da Reforma, o que significa que foi escrito a partir de 1540 ou por volta desse ano.

A partir deste estudo resulta a proposta de uma hipótese, segundo a qual o Ms. Grand Lodge seria um dos primeiros textos, de uma longa série, usados a partir dos anos 1540-1580, por um grupo de homens conhecido ao longo do século XVIII, sob o nome de Maçons especulativos, ou Maçons aceitos.

Agora, a história religiosa da Inglaterra do século XVI, pode nos fornecer elementos suscetíveis de apoiar esta tese. Durante todo esse período, todos aqueles que expressaram convicções religiosas contrárias ao poder existente perderam suas vidas nas fogueiras. Esta rotina diária em tempos especialmente conturbados, fez com que certas comunidades muito diferentes submergissem discretamente em suas práticas, ou até mesmo em segredo.

É durante os anos de 1560 a 1570, quando a crise religiosa atingiu seu clímax. Estes anos se caracterizaram, em particular, pelos diferentes conflitos que assolavam a Escócia e pela “deposição” teórica de Elizabeth pelo Papa em 1570. Paralelamente a esses eventos, os especialistas da história religiosa da Inglaterra levantaram a existência de um movimento geral constituído no seio da Igreja da Inglaterra, e cujo objetivo era fazê-la oscilar em direção ao campo da Reforma.

Por volta de 1570, segundo o historiador inglês J. E. Neal, tratava-se de uma verdadeira “organização secreta “que devia agir com prudência, devido às pressões dos mais moderados e às exigências expressas pela Rainha. Este movimento devia conseguir a formação de uma seita independente da origem da Igreja Congregacionista. O certo é que um testemunho daquela época levou grupos diferentes, com convicções morais e religiosas bem definidas a agirem com base na fórmula de organizações mais ou menos secretas.

Parece, pois muito provável, quando se segue a tese de C. Dyer, e de vários autores ingleses atuais, que o movimento que deu origem à Maçonaria Especulativa teve sua origem nas motivações claramente religiosas desses momentos. O estudo comparativo das Antigas Obrigações estabelece em particular, que este movimento, aparentemente secreto, e que a história religiosa da época torna compreensível, já não tinha qualquer vínculo com a Maçonaria Operativa, uma vez que teria sido estabelecido por volta de 1560 ou 1580, numa época em que conflitos religiosos atingiram sua maior intensidade.

As teorias múltiplas

Depois de quase vinte e cinco anos, diferentes autores pretendem reformular uma tal teoria alternativa que pode explicar o conjunto de testemunhos documentais que temos em relação ao período histórico em torno do nascimento da Maçonaria Especulativa, e suscetível de escapar às objeções de E. Ward.

Isso certamente se traduz em um certo desconforto por parte dos pesquisadores, e nos mostra o papel muito fértil da crítica devastadora de E. Ward, que se empenhou em reler todos os documentos disponíveis sobre a história da Maçonaria à luz dessa nova proposta. Desta forma, ele consegue propor uma teoria política, ligada aos eventos da guerra de 1640 a 1660 na Inglaterra, acompanhada por uma teoria religiosa que também explorou o papel da sociabilidade de caridade e as primeiras sociedades de ajuda mútua nascidas no século XVII nos meios artesanais, bem como o papel desempenhado pela dissolução das comunidades monásticas após a reforma inglesa de 1534.

É claro que nenhuma dessas teorias leva à convicção total. Todas tiveram um imenso interesse em promover uma redescoberta dos fundamentos históricos da Maçonaria Inglesa e da Maçonaria Escocesa, confundindo seu desenvolvimento, que é bem diferente e levou a uma nova teoria.

A chave escocesa: David Stevenson, em The Origins of Freemasonry.

Em 1988, duas obras do estudioso escocês David Stevenson apareceram sucessivamente. Esses estudos, por sua vez, trouxeram uma renovação completa da controversa questão das fontes da Maçonaria Especulativa. Apenas é possível resumir brevemente a tese sustentada pelo autor sem a ajuda de documentação abundante e segura. No entanto, descreverei suas linhas mais essenciais.

Em 1598-1599, um importante funcionário da Coroa escocesa, William Schaw, Supervisor Geral dos Construtores e Intendente dos Edifícios do Rei, dita uma série de regulamentos que organizam em novas bases o ofício de construtor na Escócia.

O Estatuto Schaw cria uma rede de lojas territoriais, que incluirão uma jurisdição que se definia geograficamente, e dava a estas lojas algumas modalidades de organização, fixando seu funcionamento, por exemplo, a tarefa de conferir aos trabalhadores os dois graus do ofício: o de Aprendiz (Entered Apprentice) e em geral, ao final de um aprendizado que chegava a aproximadamente sete anos, após o que recebiam o diploma que lhes permitia buscar livremente emprego como assistente de um mestre, isto é, de um empregador; o Companheiro (Fellowcraft). Desse modo afirmava seu controle total do ofício, mas acima de tudo, permitia que ele eventualmente solicitasse a entrada na Guilda de Mestres, Corporação distinta da loja e organização puramente civil e política, e que se apresentava como uma classe de sindicato patronal, controlando ao mesmo tempo o ofício e a cidade.

Em um trabalho notável e escrupuloso, D. Stevenson mostra que essa organização era profundamente inovadora e estritamente limitada e ligada à Escócia.

Nunca, nem na Escócia, nem na Inglaterra, havia existido tal sistema, e muito menos dotando a loja de um status jurídico e uma personalidade moral, que buscavam uma verdadeira permanência. Em suma, para desempenhar o papel de “Oficiais” (o Vigilante ou Guarda ou de Diáconos). O Estatuto Schaw é uma evidência, e estabeleceu as bases estruturais que mais tarde se transformarão na Maçonaria Especulativa.

A Maçonaria Especulativa é a contribuição mais notável de D. Stevenson, no entanto, devemos mostrar que, ao contrário da versão propagada pelas teorias clássicas, o fenômeno da Aceitação, é puramente inglês e nunca foi usado na Escócia. Este fenômeno generalizado permitiu a substituição progressiva dos operativos pelos especulativos nas lojas, embora isso nunca tenha ocorrido na Escócia no século XVII.

Analisando cuidadosamente as listas de membros dessas lojas e explorando sua história por várias décadas, D. Stevenson, mostra que estas lojas escocesas permaneceram, essencialmente e por muito tempo, como operativas.

Por outro lado, há um novo ponto essencial, que mostra que desde o início algumas personalidades, incluindo algumas celebridades como Robert Moray, indiscutivelmente muito próximas da corrente do pensamento hermético, neoplatônico e rosa-cruz – seja qual for o significado de esses últimos rótulos – se inclinaram na Escócia, para essas lojas.

Sua organização relativamente discreta, se não secreta, e a existência conhecida de alguns ritos lhes interessavam, embora suas incursões documentadas nessas lojas, ao longo do século, sejam extremamente raras e geralmente transitórias.

Resta, e é o principal acervo das obras de D. Stevenson, que a prática excepcional, mas inegável, de receber como membros honorários pessoas alheias ao ofício nessas lojas – onde os recém-aceitos nunca mais voltavam – tenha sido capaz de criar uma população, embora provavelmente numericamente escassa de “Maçons Livres”, sendo capaz de transportar, transmitir e transformar uma Maçonaria de acordo com suas próprias preocupações intelectuais.

É extremamente interessante notar que Robert Moray, é um daqueles dos que foram recebidos pela primeira vez como “especulativos” e conhecidos como tal na Maçonaria, e que conseguiu em 1640 a uma loja temporária constituída à margem de uma guerra, em território inglês. Um fato que devemos notar é a existência enigmática da loja temporária Warrington que recebeu Ashmole seis anos depois, à margem da mesma guerra, que se situa bem ao norte da Inglaterra.

A Escócia não inventou, então, a Maçonaria Especulativa. Ela criou, sob o ímpeto de William Schaw, as estruturas de uma Maçonaria Operativa bem-organizada que servirá, indiscutivelmente, de modelo para a maçonaria especulativa organizada no início do século XVIII.

Portanto, surgiu a partir de maçons não operativos que nunca haviam feito parte do ofício, mas que, assegurados neste frágil viático, fizeram uso mais adiante da “fronteira do norte” (Northern Border), e eles fincaram pé em solo inglês, expandindo-se. Desse modo, é possível entender que a Maçonaria inglesa do século XVII se convertera em especulativa quase imediatamente.

Uma teoria sintética

Muitas perguntas continuam pendentes sobre esse tema complexo do nascimento da Maçonaria, e ainda restam muitos enigmas a serem resolvidos, e muitos outros pontos ainda estão em uma situação indeterminada de estudo e resolução.

No entanto, podemos afirmar que agora temos elementos para desenvolver uma teoria sintética sobre as origens da Maçonaria Especulativa em cuja formulação venho trabalhando há anos, e gostaria de lançar as bases para um modelo, que obviamente pode ser criticado e até mesmo corrigido.

A Maçonaria Operativa, na Grã-Bretanha como no resto da Europa, se desenvolveu em uma civilização pouco comunicativa e estruturada em torno de poderes locais, numa época em que as organizações de vocação nacional, como as qualificaríamos hoje, não podiam ter nenhum sentido.

Existiam na Inglaterra trabalhadores mais ou menos qualificados e experientes, chefes e mestres de obras que podiam ocupar toda a vida de um Construtor, para quem o ofício se resumia à edificação de uma catedral da qual ele não havia visto colocar nem a pedra fundamental, e que nem sequer veria seu término.

Isso exigiria necessariamente a transmissão de conhecimento sobre as obras, os Companheiros mais antigos formavam os mais novos, os Aprendizes. Esses homens eram simples, analfabetos, nem sequer tinham um nome: eram John, o Construtor, Edwin de Chester… havia lojas anexas ao edifício em construção, onde as ferramentas eram guardadas, onde eles descansavam, onde falavam sobre os problemas da obra e dos projetos do dia seguinte. Nós temos algumas descrições delas.

Ali se faziam plantas, no chão que, uma vez aplainado, servia para traçar desenhos ou as medidas da construção. Havia uma ordem social e religiosa, onde o clero desempenhava um papel essencial. Para organizar o povo maçônico, foram escritos textos, regulamentos e, para dar sentido ao trabalho desses homens, trabalhou-se sobre antigas crônicas, como a de Pierre Comestor e o Polychronicon, tentando escrever uma história que seria a dos Maçons.

Sabe-se assim que o poema Regius foi muito provavelmente escrito por um sacerdote do Priorado de Lanthony. Nisso consistia o famoso ensino das lojas operativas, fora, é claro, onde tudo é natural e sem mistério e muito consubstancial ao exercício do ofício. Havia também alguns usos, algumas cerimônias de natureza religiosa e tudo isso dentro da Europa medieval. O trabalhador recebido em uma obra jurava respeitar a Deus, à Santa Igreja, seu Rei e o Mestre da obra, e a Bíblia lhe era apresentada.

Tudo o que sabemos das lojas operativas inglesas na Idade Média é que as obras duravam anos, ou mesmo dezenas de anos, em que nasciam, viviam e morriam os maçons. É tudo o que sabemos, já que é bem verdade que tudo o que aconteceu ali é uma hipótese baseada em uma rede desconhecida de lojas secretas e iniciáticas, ou na existência dos ensinamentos que teriam escapado ao olhar do historiador; por isso, outras especulações são absolutamente insustentáveis, pelo menos, se se deseja permanecer preciso no campo da história.

A partir do século XV, e depois nos séculos XVI a XVII, com a Reforma, o ofício de construtor sofreu uma súbita e muito profunda transformação: muitas das grandes obras e catedrais desmoronaram, e os maçons foram cada vez mais forçados a atender aos particulares, nobres e burgueses da época, o que eles faziam sozinhos ou com outros Companheiros. O patrão, ou seja, o empregador se chamava então Mestre.

A loja não tinha mais razão de ser, haja vista que nesse novo tipo de obra ela se tornava desnecessária. Isso explica por que as lojas operativas não deixaram vestígios na Inglaterra; eram tempos difíceis em que a doença afetava a qualquer momento, onde não havia proteção social, pelo menos fora da Igreja.

É por isso que, em toda a Europa, em todos os ofícios, não somente dos construtores, em todos os burgos, em todas as cidades, desenvolveram-se solidariedades naturais, muitas vezes baseadas no emprego profissional ou em um status social idêntico. É a base das irmandades e seu principal objetivo era a ajuda mútua: mutualidade e beneficência.

Colocava-se o dinheiro em um caixa único comum, e era possível obter um enterro decente para um falecido e sustentar até certo ponto sua viúva e seus filhos. Ou poder procurar emprego para aqueles que estavam momentaneamente privados dele.

É isso o que certamente evoca que Sir Robert Plot mencione em 1686, em seu livro Histoire naturelle de Staffordshire, um testemunho quase único para a época, de uma organização chamada Masonry que diz “funciona em todo o país”. A descrição que ele faz, corresponde melhor àquela de uma organização fraterna de ajuda mútua de trabalhadores precários. Ele não menciona nada sobre o resto.

Em Londres, a poderosa Companhia dos Maçons, com certa especificidade dentro da capital, até mesmo acolhia, durante o século XVII, os benfeitores eleitos entre os notáveis ​​da cidade, para enriquecer seus fundos de ajuda. Essas irmandades municipais ainda existem e algumas não mudaram sua vocação inicial: não eram operativas, mas não se tornaram especulativas, pois a alternativa é muito sumária. Esta seria a situação no final do século XVII na Inglaterra.

Em Londres, nos primeiros anos do século XVIII, pouco antes da primeira reunião da Primeira Grande Loja, encontramos que em algumas raras lojas sua composição e atividade parecem corresponder, em muitos pontos, ao esquema supracitado de uma certa atividade mutualista e beneficente.

Ignoramos nesses momentos que usos rituais tinham ou seguiam as diferentes lojas. Tudo indica que eram muito simples, como os da loja que recebeu Elias Ashmole, lendo-lhe um manuscrito das Antigas Obrigações e fazendo-o prestar um juramento.

E depois havia a Escócia, remota e nebulosa, inimiga eterna e tão diferente da Inglaterra. Não se sabe muito sobre como os maçons eram organizados neste país pequeno, escassamente povoado e bastante pobre, onde as catedrais não eram muitas, como na Inglaterra. Sabe-se, no entanto, que no final do século XVI, um grande empregado do Estado escocês, William Schaw, concebeu uma organização administrativa radicalmente nova, regulando de maneira muito precisa os grupos de construtores, legislando sobre suas relações com os Mestres – os patrões – agrupados nas poderosas guildas municipais chamadas Incorporações.

Os maçons já não eram livres na organização de Schaw, uma vez que deviam estar necessariamente vinculados a uma seção territorial, um lugar preciso, que, adotando uma palavra antiga presente na tradição do ofício, se decidiu nomear uma loja, dando-lhe, no entanto, um novo significado e um sentido profundamente diferente.

Como seus colegas ingleses, os escoceses tinham a prática de receber em suas lojas, como patronos e benfeitores, personalidades que não retornavam à loja, mas que podiam ajudar o ofício, às vezes dando trabalho aos obreiros.

Esses Cavalheiros Maçons, como eram chamados na Escócia, e nunca com outro nome, não tinham vínculo duradoura com as lojas, nada tinham que fazer e, por outro lado, não teriam qualquer interesse em assistir a suas reuniões que, de outro modo, eram raras, já que as lojas escocesas se reuniam uma ou duas vezes por ano, no máximo, para resolver questões administrativas.

A Escócia é um país singular, tomado a partir de 1560 por um calvinismo radical, mas habitado por homens curiosos e apaixonados por filosofia e misticismo, muitas vezes inscritos ao redor do rei, incluindo o próprio W. Schaw, ou até meados do século, Robert Moray.

Alguns deles figuravam entre os Cavalheiros Maçons e como muitos outros, nunca voltaram a colocar os pés nas lojas em que foram recebidos. No entanto, havia algo que lhes interessava vividamente: um ritual e uma tradição.

Nessa época, nas Ilhas Britânicas, e especialmente no continente, essas questões eram elementos essenciais da vida social. Muitos dos eventos sociais serão ritualizados, muitas vezes com uma óbvia conotação religiosa.

Assim, os Maçons escoceses recebiam os Aprendizes e Companheiros com a ajuda de um ritual muito rudimentar, que conhecemos muito bem, comprometendo-se a proteger os segredos de reconhecimento àqueles que permitiram reservar o privilégio de emprego e a proteção da ajuda mútua aos maçons devidamente registrados, e não aos Cowans como eles chamavam na Escócia os pedreiros independentes, que não pertenciam a nenhuma loja.

Todo o segredo se justificava dessa maneira, puramente utilitarista, mas essencial em um pequeno país onde a vida era dura e o emprego extremamente raro.

Alguns Cavalheiros Maçons estavam muito inclinados a investigações filosóficas, e muito sensíveis ao eco do Renascimento neoplatônico e tendendo às proclamações misteriosas dos primeiros manifestos Rosa-Cruz e, na segunda década do século XVII, eles quiseram se reunir para fazer disso o objeto de seus trabalhos.

Talvez por uma questão de discrição, por gosto pelo mistério, pela atratividade dos estranhos e antigos ritos que eram mais ou menos conhecidos por eles, decidiram se agrupar tomando emprestadas as formas simbólicas e rituais dos maçons escoceses, que também compartilhavam um segredo, embora este segredo também estes Cavalheiros conheciam, mas nunca tinha sido um segredo profissional e operativo.

Observamos, então, que o problema essencial consiste em explicar como, no início do século XVIII, em Londres, apareceu, quase saída de um vazio documental, uma Maçonaria não operativa, que não estava vinculada ao exercício do ofício de pedreiro, mas que estava organizada em esquemas muito próximos aos da Maçonaria Escocesa.

O laço de união ausente deve ser encontrado. Fará que um dia se encontrem Maçons livres, sem lojas, como Ashmole ou Moray, de filiação escocesa direta ou indiretamente, e de lojas livres, como a Masonry, descrita no final do século XVII por Robert Plot.

Observemos que o efeito é como se tratasse de um conjunto de transparências, esses dois aspectos se superpondo, de origens profundamente diferentes, e se obtém um retrato bastante consistente da primeira maçonaria inglesa dos anos 1717-1723.

Indiquemos que uma data importante, 1707, não deve ser negligenciada. Essa é a data do Ato de União, que fez definitivamente da Escócia e da Inglaterra, um só e único Reino, o que finalmente permitiu uma abertura real, embora lenta e desconfiada, dos dois países um ao outro.

Lembremo–nos finalmente, e seria apenas para abrir uma última pista e arriscar uma abordagem, que um dos protagonistas, se não o mais importante, pelo menos, o mais conhecido desta primeira maçonaria Inglesa, foi o pastor Anderson, de origem escocesa, natural de Aberdeen, e cujo pai havia pertencido à loja dessa cidade escocesa.

Paro por aqui e queria, depois de ter estudado os arquivos, os documentos e os testemunhos, contar uma história, esperando que não estivesse muito distante da história real.

Sombras passaram diante de nossos olhos, séculos passarão e gerações antigas viveram sem nos revelar completamente seu mistério. Se, em parte, com este trabalho, levantou-se um véu da escuridão, devemos respeitá-lo e nos guardar das utopias.

A busca das origens é sempre um teste e acontece que o historiador deve renunciar temporariamente a entender tudo, mas nada proíbe ao homem continuar esperando por tudo.

Auto: Roger Dachez
Traduzido por: José Filardo

Publicado originalmente no excelente site Bibliot3ca Fernando Pessoa

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Sobre o confronto entre a Igreja Católica e a Maçonaria: um olhar desde os estudos sobre a Igreja

As difíceis relações entre a Igreja (pelo que aqui nos referimos à Igreja Católica) e a Maçonaria constituem, sem dúvida, um dos aspectos mais recorrentes, sobre o qual se tem repetidamente insistido e que em todos os tempos têm despertado o maior interesse nos estudos sobre a Maçonaria. Basta consultar as páginas das atas das reuniões acadêmicas do Centro de Estudos Históricos da Maçonaria Espanhola (CEHME) realizadas desde 1983 para verificar o grande número de trabalhos apresentados sobre o assunto, nos quais a atitude que a Igreja tem observado sempre sobre a Maçonaria especulativa; tem tantos seguidores entre os pesquisadores que constitui uma seção fixa em todos os simpósios, estabelecendo-se assim como o principal protagonista – não o único como se sabe- do antimaçonismo; mesmo em qualquer obra de referência sobre a Ordem do Grande Arquiteto do Universo é comum a existência de um capítulo dedicado às suas relações com a Igreja, para além daquelas outras obras em que esta questão é expressamente estudada[1].

Porque é também um aspecto abordado por destacados historiadores (também pelo próprio que subscreve estas linhas, que tem dedicado boa parte dos seus estudos maçônicos a este aspecto) o que já é conhecido não será aqui reiterado. Não é, pois, objetivo deste trabalho desvendar as razões invocadas neste esforço que, como bem sabemos, em cada momento e circunstância têm tido um perfil diferente (fundamento jurídico na aplicação da lei própria no século XVIII; ligação com os processos revolucionários burgueses e movimentos liberais ou democráticos; relação com o protestantismo ou com o satanismo; ocupação de territórios papais no caso italiano etc.). Tudo parece ter sido dito a esse respeito, restando-nos apenas, digamos assim, estudar casos concretos, que podem ser múltiplos. Pode-se dizer que em certos momentos da história a Igreja foi a instituição que, desde meados do século XVIII e em todos os níveis de sua hierarquia, mais se posicionou de forma pública e explícita contra a Maçonaria. No que diz respeito à Espanha, parece que, da sua posição social e culturalmente predominante, mais tinta foi derramada contra a Maçonaria, correndo por seus méritos na instituição mais destacada entre aqueles que a difamaram e, consequentemente, sendo uma parte notória do amplo movimento antimaçônico orquestrado.

Mesmo assim, acreditamos que a análise nem sempre é correta. Não estamos dizendo que os estudos sejam erráticos, mas que em muitos casos predominam as generalizações e faltam certas nuances que ajudariam a explicar melhor certos episódios que, relacionados à Igreja ou a seus homens – por exemplo -, podem ser apresentados como raros e estranhos por sair do comum. Para tudo isso contribui, e não pouco, o preconceito, incubado pela parcialidade, que esteriliza o rigor que a análise científica deve exibir e que, embora não a estrague completamente se os fatos forem bem descritos, pode falhar na interpretação que deles se faz com base em generalidades às vezes extemporâneas. 

Talvez com o exemplo você possa entender melhor o que queremos dizer. Sobre a Igreja (da qual devemos especificar bem a que nos referimos quando usamos este termo em nossos estudos) existe um clichê que às vezes não corresponde à realidade; ou, em outras palavras, poderia corresponder a uma determinada realidade ou momento histórico, mas não em todos os momentos; as nuances -também as temporais – são muito importantes. Às vezes identificamos o comportamento da Igreja com o clericalismo, sem entender que são dois conceitos diferentes, embora estejam interligados. Não são poucos os casos em que nos referimos à Igreja com uma uniformidade geral em que não há nuances quando estas são fundamentais para compreender certos processos e conceitos, que podem ser interpretados de forma diferente dependendo do momento histórico. E, por último – para não alongar esta introdução- a precisão terminológica é muito importante ao referir-se a ela, já que é uma instituição com linguagem própria, com funcionamento (ad intra e ad extra) singular, diferente de qualquer organização civil com a qual às vezes se tenta erroneamente assemelhar-se. Estamos nos referindo, então, a uma globalidade uniforme sem atentar para o fato de que, compartilhando as mesmas crenças religiosas (doutrina), existem grupos com diferentes responsabilidades, hierarquias e – também- matizes ideológicos (mantendo-se na doutrina) cujas preposições – cuja preeminência pode oscilar em função dos momentos históricos.

Nas linhas a seguir vamos nos referir a alguns desses aspectos, sem a pretensão de esgotar o tema, fruto de algumas questões que nos foram colocadas ao longo de nossa – acreditamos longa – trajetória investigativa sobre Igreja e Maçonaria (por separadamente e às vezes juntos). Fazemo-lo sem intenção de censura, mas no caso de poderem ser úteis a outros investigadores que também possam refletir sobre estes extremos. Em suma, tentaremos chamar as coisas pelo nome, não numa tentativa revisionista da história, mas com o objetivo de sermos mais rigorosos em nossas análises porque uma maior precisão terminológica resulta no aprimoramento de nossa ciência.

Maçonaria, Igreja e clericalismo

Numerosos estudos sobre a Maçonaria têm mostrado que, com origem comum na Maçonaria especulativa lançada no início do século XVIII, esta desenvolveu-se nos últimos três séculos de forma diferente porque, tanto em princípios como em valores, a realidade temporária em que foi inserida e desenvolvida também evoluiu consideravelmente. O caráter elitista de outrora, depois “liberal” e posteriormente colocado em abordagens ideológicas mais avançadas – por exemplo – ou diferentes atitudes em relação à própria presença de mulheres em suas oficinas são, sem dúvida, um reflexo dessa evolução. Por esta razão e por uma infinidade de outras nuances, ninguém se surpreende que atualmente – como apontam especialistas conceituados – o uso do termo no plural, maçonarias, seja mais apropriado.

É comum em nossos trabalhos sobre Maçonaria associar o termo Igreja ao clerical, projetando na instituição a ideologia reacionária que o termo implica. Esta generalização e consequente redução é claramente inadequada. Vamos por partes. É claro para nós que com o termo Igreja nos referimos a uma instituição dirigida pela Santa Sé que está localizada no Estado da Cidade do Vaticano, que é muito recente. Até agora, em termos de direção, não há margem para erro; mas, no que diz respeito ao seu coletivo humano, como sabemos, amplo e hierárquico – desde o Papa até o último fiel cristão leigo- além de diversos, quando nos referimos à Igreja em nossos estudos, exatamente a quem nos referimos, ao Papa, a um setor específico dela, a “toda” a Igreja?; e mais: entendemos que a Igreja e seus diferentes setores, membros, têm as mesmas características e posições no início do século XVIII, no final do século XX ou no início do século XXI? A resposta, que não é tão complexa, requer conhecimento para buscar nuances suficientes que devem ser importantes para o pesquisador.

Do ponto de vista doutrinário, todos os que nasceram da água e do espírito fazem parte da Igreja ou do Povo de Deus, termo atualmente mais utilizado para possibilitar a ação de Deus na história. De fato, este aspecto foi redefinido assim recentemente, durante a segunda sessão do Concílio Vaticano II (1963) e onde se fez referência à corresponsabilidade dos leigos na Igreja, radicada no sacerdócio comum de todos os batizados e que, muitas vezes ao longo da história, foram retidas para si pelo clero. A própria Igreja assim reconheceu, aliás, a sua atitude “clerical” até então porque tradicionalmente nas tomadas de decisão não se tinha em conta os leigos, mas apenas os ordenados, o clero [2]. A consequência para o pesquisador é clara e a nuance não menos importante: quando fazemos as análises sobre a Igreja antes do Concílio Vaticano II, em qualquer assunto, inclusive o maçônico, é possível classificá-la como clerical porque, embora houvesse fiéis cristãos leigos (seculares), eram os ordenados que “assumiam” a responsabilidade exclusiva de dirigi-los, traçar direções, preparar propostas e tomar decisões. Por este mesmo fato, nos estudos sobre uma realidade maçônica mais atual, e sempre ao nível da sua direção, a Igreja deixou de ser clerical e basta consultar em qualquer diocese o número de organizações que, com a presença de leigos, participam do processo de tomada de decisão.

Clericalismo, Ultramontanismo e Maçons Católicos

Resolvido até quando e em que condições nos nossos estudos podemos ou não chamar a Igreja clerical em termos de tomada de decisão, tratemos de uma segunda questão que nos parece talvez mais complexa: a ideológica. A maioria dos estudos sobre Maçonaria associa Igreja e clericalismo para identificar ambos os termos – conjuntamente dissemos acima – com a reação; ou seja, com uma “ideologia que defende a influência do clero nos assuntos políticos de uma sociedade”, que tenta impor um modelo próprio à sociedade civil, considerada única, e na qual a Igreja era responsável pela tomada de decisões ou da inspiração absoluta das mesmas contra as abordagens que poderiam ser levantadas a esse respeito pelas Lojas; vale acrescentar que em muitas ocasiões, especialmente nos textos maçônicos que aparecem nos boletins das diferentes Obediências, a palavra jesuitismo também é usada com uma interpretação semelhante, outro termo sobre o qual seria necessário acrescentar não pouco.

Especificaremos que estamos falando de uma ideologia, não tanto de uma doutrina, na qual as abordagens da religião católica permeariam tudo, segundo o modelo do Antigo Regime, anterior às revoluções burguesas que eclodiram no final do século XVIII; nesse caso, seriam seguidas as abordagens dos mais caracterizados ideólogos da reação, como Burke e De Maistre, entre outros. Diante disso, a nova ideologia emergente, liberal (e posteriormente democrática) apostaria na secularização da vida civil e, para isso, lançaria mão do secularismo, cuja manifestação popular e radical mais conhecida seria o anticlericalismo. Vale lembrar que, aos olhos dos setores mais antiliberais do catolicismo (tradicionalismo, fundamentalismo, carlismo no caso espanhol, por exemplo), os termos liberal e maçom foram entendidos como sinônimos ao longo do século XIX e, também, embora talvez com menos ênfase, no século posterior. À primeira vista, tudo parece fazer sentido: a Igreja (o clero) é reacionária e contrária às liberdades individuais do Iluminismo que a Maçonaria assume, o que explicaria a animosidade da Igreja em relação à Ordem e o início do fenômeno antimaçônico por parte desta como resposta. Para conectar abordagem amplamente difundida entre maçonólogos e aquela simples de aparecer exposta em numerosas investigações (igrejas, clericais e reacionárias), esta formulação carece de não poucas nuances que contribuam para explicar os casos que não obedecem a esta norma. Vamos ver alguns.

Não muito tempo atrás, Martínez Esquivel, em um interessante trabalho sobre a origem da maçonaria costarriquenha, revelou a importância do padre católico Francisco Calvo como organizador da primeira loja em seu país em 1865. Entre as condições, o autor referiu-se ao Estado modelo educacional-civilista, promoção das liberdades civis, práticas eleitorais, retorno ou chegada de intelectuais locais ou estrangeiros e interesse “pela vida cívica em alguns setores hierárquicos da Igreja local”. O autor também se perguntou sobre as relações entre os maçons centro-americanos, os Estados e as igrejas católicas locais e, entre outras questões, também se havia antimaçons. Ele ainda aludiu a como o estabelecimento da liberdade religiosa facilitou a tarefa devido ao discurso maçônico de tolerância religiosa, que permitiu a “sociabilidade dos costarriquenhos católicos com estrangeiros de diversas origens e religiões”, o que resultou em uma convivência entre colunas de católicos, anglicanos, quakers, evangélicos e judeus, bem como livres-pensadores, racionalistas, espiritualistas etc. O último fator, como determinante, desta implantação da Ordem no país foi a “transformação ideológica dentro da Igreja Católica costarriquenha” – aponta, tomando de Rodríguez Dobles – que favoreceu um tipo de sacerdote e, portanto, paroquial, que a nosso ver também favoreceu a organização da Maçonaria” [3].

Na última e extensa obra de Javier Alvarado Planas, ele aborda as personalidades relevantes que pertenceram à Ordem (reis, príncipes e outros) nos três séculos de sua história. Um dos capítulos é dedicado aos “príncipes da Igreja” (católicos) maçons, personalidades realmente relevantes da Igreja (o termo, a rigor, referir-se-ia aos cardeais) que trabalharam entre colunas, sobretudo ao longo dos séculos. XIX, a sua presença nas lojas e atividades desenvolvidas. O autor também investiga a origem do fenômeno antimaçônico, os motivos da condenação da Maçonaria no Código de Direito Canônico de 1917 e a situação em que ela se encontra no atual (de 1983), que é uma consequência direta das abordagens conciliares, embora posteriormente tenham sido qualificadas por alguns altos funcionários da departamentos ou congregações romanas [4] .

Por último, na tese de doutorado recentemente defendida na Universidade de Cádiz por Ángel Luis Guisado Cuellar, o autor biografou o famoso médico Cayetano del Toro y Quartiellers (1842-1915), político liberal, prefeito de sua cidade, benfeitor, membro destacado se não promotor de inúmeros projetos sociais e culturais. Ele se referiu à sua condição de maçom pelo menos em sua juventude durante o tempestuoso período democrático de seis anos (1868-1874), desde que foi iniciado na loja de sua cidade Hijos de Hiram no. 62 sob a Obediência do Grande Oriente Lusitano Unido e, posteriormente, já na restauração afonsina, em outra oficina sob o Conselho Supremo da França do qual era Venerável. Caracterizou-se também por sua catolicidade, que o levou a pertencer a diversas irmandades e confrarias penitenciais – nas quais se destacou – e a promover extraordinariamente festividades religiosas quando era gestor público, justamente em um momento em que a Igreja se pronunciava repetidamente contra a Maçonaria, foram publicadas as obras de Leo Taxil (então tidas como verdadeiras) e promovidos encontros antimaçônicos internacionais. Del Toro foi, sem dúvida, um personagem de tão profunda catolicidade, mesmo em seus atos mais íntimos que, na resposta dada em 1913 ao Bispo de Cádiz quando transmitiu suas condolências pela morte de Segismundo Moret, herói liberal de Cádiz, em várias ocasiões Presidente do Governo, formulou uma resposta lapidar: “Agradeço do fundo do meu coração por suas condolências pela morte de Moret. Ser liberal não é incompatível com ser católico e ter uma fé religiosa” [5].

Poderíamos trazer aqui mais exemplos de personagens da Igreja em seus diferentes estratos, não apenas distantes do pensamento reacionário, mas que participaram ou promoveram a Ordem. Esses casos nos mostram uma visão radicalmente diferente daquela que costuma ser difundida pelos homens da Igreja. Diante da visão tradicional da Maçonaria como inimiga, homens que pertenciam a diferentes estratos eclesiais a promoveram, trabalharam em suas oficinas e, mesmo quando a doutrina oficial da Igreja se posicionava (o gerúndio é intencional) contra ela e suas atividades, pelo menos para esses católicos, não representava nenhum problema legal, espiritual ou de consciência, trabalhando entre colunas. Do exposto pode-se deduzir, portanto, que houve momentos em que a rejeição ou condenação das Lojas pela Igreja não afetou os próprios católicos. Foi no final do século XIX (especialmente durante o pontificado de Leão XIII) que se configurou como a principal inimigo da Igreja (por razões doutrinais, mas também ideológicas como veremos), parecendo reunir todos os males e maquinações contra a ela. uma visão que, cem anos depois, tentou-se reformular no contexto do Concílio Vaticano II. 

Este aspecto é complicado, porque não é apenas uma questão de tempo, mas de modelos ideológicos de acordo com as circunstâncias de cada país. É aqui que entra a crença errática de conceber sempre a Igreja como um bloco compacto que contém em si uma profunda homogeneidade em todas as suas dimensões. Esta abordagem, comum entre aqueles que percebem a realidade eclesial de fora, exige, no mínimo, ser qualificada. Na mesma base doutrinária comum a todos os católicos, existem diferentes modelos para alcançar o objetivo final, a transcendência (seculares, religiosos, ordenados; associados ou não em grupo, por exemplo). Esta base comum que chamamos de Doutrina Social da Igreja (uma atualização da mensagem evangélica à luz dos textos bíblicos, dos Padres da Igreja, das encíclicas e documentos pontifícios, bem como dos pronunciamentos da Igreja nos sínodos e concílios, sem redução da mensagem evangélica original) começou a ser compilada no pontificado de Leão XIII (1878-1903), e não só contém orientações sobre questões meramente sociais, como se pensa erroneamente, mas também posiciona os crentes diante de toda realidade existente ao seu redor. Além disso, foi com este Papa que se formulou a mais copiosa doutrina sobre a ideologia triunfante com a extinção do Antigo Regime, o liberalismo e a presença pública dos católicos num mundo cada vez mais secularizado; essas iniciativas devem incluir a condenação doutrinária da Maçonaria com o Humanum Genus em 1884.

A maior parte do clero que conhecemos que pertenceu à Ordem fê-lo antes destas grandes definições doutrinárias, quando só existiam as condenações ideológicas ao absolutismo (feitas por diferentes monarcas desde meados do século XVIII, incluindo o próprio papa por estar em cargo dos Estados Pontifícios). A dissolução do Antigo Regime facilitou a pluralidade ideológica mesmo dentro da própria Igreja. Na França revolucionária e napoleônica havia jurados e refratários entre o clero; mais tarde será o país do ultramontanismo, mas também o berço do catolicismo liberal: um bom número de jovens padres, diz Aubert – levantou a possibilidade de conciliar o catolicismo com o liberalismo e aceitar, sem trair sua fé, uma ordem social baseada nos novos princípios revolucionários: liberdade pessoal, liberdade política, liberdade de imprensa e religião, mesmo que isso implique uma restrição de privilégios eclesiásticos e até mesmo a separação entre Igreja e Estado. Um catolicismo liberal com múltiplas nuances, que em muitas ocasiões se limitou mais à aceitação do novo estilo de vida, o espírito do século, do que à assunção do conteúdo doutrinal que certas abordagens liberais poderiam acarretar. Assim, com esta abordagem pragmática, a juventude intelectual seria reconquistada para a Igreja e, em última análise, seria melhor para seus próprios interesses. A condenação de Gregório XVI a este movimento que supunha a Mirari vos (1832) foi muito diminuída quando os católicos belgas foram autorizados nas mesmas datas – certamente como uma exceção – a trabalhar junto com os liberais para alcançar sua independência e buscar na prática um modelo constitucional [6].

Como podemos ver, aquela mesma Igreja que nas obras sobre a Maçonaria apontamos ideologicamente de forma genérica como clerical e ultramontana, estava em alguns países e por vezes (ainda que excepcionalmente) dando validade às formulações liberais em cujo triunfo parece claro que, pelo menos na onda revolucionária de 1820 em que se concebeu a independência belga, participaram diferentes sociedades, entre elas a maçônica. o jogo contra o ultramontanismo, que levou ideologicamente ao triunfo de um catolicismo mais autoritário e ultraconservador que permeava tanto questões doutrinárias quanto aspectos meramente circunstanciais, portanto discutíveis. Uma das consequências foi a Humanum genus, que apresentava a Maçonaria como a instituição criada pelo maligno em sua luta contra a Igreja e da qual, por motivos óbvios, os crentes deveriam se distanciar.

O caso exposto acima, relativo à realidade costarriquenha de meados do século XIX, deve ser interpretado dentro dessa evolução, especialmente quando se tratava de uma nova realidade, um Estado emergente, que havia abandonado seu vínculo com a tradição política secular espanhola. A existência de um clero esclarecido, propenso a um incipiente catolicismo liberal é algo que, apesar das contradições ideológicas ocorridas na emancipação destes territórios de Espanha, tem sido constatado nos estudos até à data realizados. Para dar um exemplo: antes da invasão napoleônica da península, alguns membros do conselho mexicano (salvemos Abad e Queipo) já defendiam então que, na ausência do monarca, a soberania havia sido devolvida ao povo e, ainda assim, mantinham a defesa dos direitos da religião católica; nos documentos romanos através dos quais a Santa Sé reconhece a nova realidade eclesial hispânica na América, a própria Igreja admitia de fato governos que saíam de uma revolução política e que de modo algum se identificavam com uma monarquia tradicional (ultramontana, por exemplo) [7]. Outra questão é que, de reconhecer o catolicismo como religião de Estado na maioria dos textos constitucionais americanos em meados do século XIX, se passasse a rupturas violentas em alguns países (Colômbia e México; o contraponto seria o Equador na presidência de García Moreno). quando a Igreja se recusou a ser protegida pelo Estado, por ser incompatível com as ideias ultramontanas que prevaleciam cada vez mais em Roma [8].

Voltemos a recapitular o que nos interessa aqui. A visão de uma Igreja monolítica, única e ideologicamente uniforme (ultramontana, reacionária, clerical, enfim, que é o que costuma aparecer nos estudos antimaçônicos) não corresponde estritamente à realidade. Pode associar-se a momentos específicos da sua história nos últimos três séculos, porém em outros e mantendo a mesma doutrina, coexistiram no seu interior orientações ideológicas diferentes (mesmo contraditórias), quanto mais desde o Concílio Vaticano II quando, na reformulação geral que afeta sua relação com outras religiões (especialmente com as do Livro, que, como será lembrado, também esteve na base das condenações da Maçonaria em meados do século XVIII). Só qualificando esta generalidade sobre a Igreja é que se podem compreender as atitudes apontadas por Esquivel, Alvarado e Guisado nas obras acima referenciadas; Eles não eram de forma alguma um pássaro raro que beirava o estranho e o excepcional, ou identificado como distante da ortodoxia ou heréticos; pelo menos até que fossem formulados os grandes princípios doutrinários (impregnados com a realidade italiana neste caso)  que deixaram aqueles que seguiam as abordagens filosóficas naturalistas (que excluíam a intervenção de qualquer princípio sobrenatural ou transcendente), como não poderia ser de outra forma, na heterodoxia [9] 

Ultramontanismo e a imprensa política dos católicos

Se o uso da imprensa é habitual nos estudos sobre a Maçonaria, na análise do confronto clerical-maçônico torna-se em grande parte imprescindível porque foi justamente neste ambiente – ainda mais que nas instituições públicas – onde ocorreram as maiores controvérsias. A abundante historiografia existente sobre a antimaçonaria no âmbito eclesiástico, tem frequentado o que é definido nos textos como a imprensa católica. Vamos nos deter nesta questão porque, por vezes, a generalização no uso desta denominação, imprensa católica, encerra um profundo desconhecimento dela, sobretudo a partir do momento em que a Igreja acabou por assumi-la como instrumento de evangelização e avançou a propaganda do século XIX (até então, por ser o meio utilizado pela revolução e pelo liberalismo, tendia a desacreditá-la). O caso que vamos apresentar aqui é o espanhol, que conhecemos melhor e podemos falar com mais propriedade, mas pode ser facilmente assimilado com o que acontece além de nossas fronteiras, pois estamos falando de uma Igreja universal [10].

Na época percebemos o caráter oscilante que essa imprensa geralmente chamada de católica tinha em seus ataques à Maçonaria. Na primeira fase da Restauração Alfonsina (último quartel do século XIX) foi neste ambiente que se desenrolaram os confrontos mais viscerais em Espanha (fato que se reproduziria anos mais tarde, já na Segunda República e durante o regime franquista ); paradoxalmente, contrastava com o fato de que no final do século XIX, exceto em momentos específicos (os dois anos após a publicação da Humanum genus), a hierarquia eclesiástica espanhola mal figurava em sua correspondência como um assunto que o preocupava excessivamente [11]. Pelo contrário, na segunda fase da Restauração (primeiro quartel do século XX, até 1923) os ataques à Maçonaria nessa mesma imprensa diminuíram significativamente, ao ponto de ser difícil encontrar qualquer alusão a ela, sobretudo no final do período; seria no início dos anos 30, quando a situação se inverteu, quando a república voltou a ser proclamada. A princípio pensávamos que esta segunda situação se devia em grande parte ao fato de que, no alvorecer do século XX, os textos condenatórios de Roma diminuíram, talvez pela deterioração causada pelo caso Taxil e, sobretudo, porque no caso espanhol houve a paralisação geral das Lojas devido a um fenômeno conhecido (a crise do final do século da Maçonaria Espanhola, nos momentos anteriores ao Desastre de 1998) quando a grande maioria das Lojas bateram colunas. Certamente, a esses fatores poderíamos opor que, embora não houvesse novos textos condenatórios, todos os anteriores ainda estavam em vigor; com relação aos organismos, não era menos verdade que os irmãos não se exterminaram por magia, apesar da crise; e, finalmente, que foi uma fase em que se intensificaram as eclosões do anticlericalismo secularizante, atrás do qual talvez não estivessem as Lojas, mas aqueles que se identificavam com suas abordagens secularistas [12].

Procurando as razões, notamos o comportamento dessa imprensa dita católica, que não foi uma parte menor desse confronto – embora não seja a única – já que a maçônica era muito minoritária e a paramaçônica se confundia com a mais liberal, mais radical ou a republicano, que nem era muito abundante [13]. No que se refere ao último quartel do século XIX, verificamos que na realidade aquela imprensa, visceralmente antimaçónica, estava ligada às organizações políticas carlistas ou fundamentalistas (as duas organizações partidárias com as quais se identificava a maioria do catolicismo espanhol, muito em desacordo entre si), a quem pertencia à propriedade das prensas e que, sem dúvida, lutaram arduamente contra abordagens ideológicas ultramontanas e reacionárias (clericais, segundo alguns, como vimos) contra o, certamente, morno liberalismo espanhol que caracterizou a primeira fase da Restauração Alfonsina. Em sentido estrito, portanto, católico era um adjetivo que qualificava o substantivo: imprensa política daquelas organizações certamente reacionárias, confrontadas pessoalmente, em cuja ideologia figurava a defesa da religião e dos interesses da Igreja. Vale ressaltar que essa imprensa ultramontana, muito polêmica, também atacou tudo o que não gostou: contra a maioria do episcopado espanhol que estava em sintonia com os desígnios de Leão XIII e seu movimento católico, com a qual se pretendia mobilizar os fiéis leigos, fazendo-os participar da vida pública, ainda que em regime liberal; contra os mesmos católicos em geral que, usando sua liberdade e sem entrar em contradição com as abordagens doutrinárias da Igreja, favoreceram a participação no modelo político liberal espanhol claramente moderado, seguindo as diretrizes do Papa e dos bispos; e, por fim, relutavam em distribuir patentes liberais (e, portanto, maçons) a quem não se identificasse com seus postulados, atacando o liberalismo (Liberalismo é pecado diziam, usando o título da obra de Sarda e Salvany, caracteristicamente fundamentalista, publicado em 1884), ou para acusar à própria Rainha Regente, a quem Leão XIII havia concedido a Rosa de Ouro, de ter sido iniciada na Maçonaria.

Se aprofundarmos um pouco mais na polêmica orquestrada por esse tipo de imprensa, seu principal objetivo era atacar o liberalismo e impedir que os católicos espanhóis participassem do sistema liberal alfonsino (como afirmavam os prelados, aplicando o mal menor) usando o argumento de que o os liberais eram todos maçons e, portanto, inimigos da Igreja que os havia condenado. Este pano de fundo é o que está na base das virulentas e permanentes polêmicas jornalísticas antimaçônicas do último quartel do século XX, nuance que não costuma ser captada pelos investigadores e que, consequentemente, não se apercebem de que a imprensa utilizada em suas investigações não pode ser chamada de católica em sentido estrito, mas sim a imprensa política dos partidos católicos ultramontanos.

Uma última nota para esclarecer por que este confronto na imprensa se reduziu ao seu praticamente desaparecimento no primeiro quartel do século XX. Tem muito a ver com a irrupção no início do século de uma verdadeira imprensa católica que, em comparação com a anterior, não dependia de organizações políticas ultramontanas, mas do próprio episcopado. Será a maioria então. É um modelo de imprensa que não só defendia as posições da Igreja e nesse sentido tinha um censor eclesiástico (algo que os anteriores já conheciam) mas, para evitar polémicas como estas somadas a outras, assumiu a direção e até mesmo propriedade da editora. A condição católica desta imprensa é a substantiva, estando ao serviço do prelado e da Igreja, não de qualquer organização política, embora em seus ideais legítimos estivesse incluída a defesa dessas mesmas abordagens [14]. A partir dela, vinculada ao episcopado, não foi necessário usar a Maçonaria como uma arma lançada contra aqueles que tentaram participar do modelo liberal, porque foram os prelados que promoveram a iniciativa de defender assim a Igreja e suas abordagens doutrinárias dentro do sistema; e mesmo que a Maçonaria continuasse a recolher todas as condenações anteriores, esse argumento não foi utilizado, muito menos sua identificação com o liberalismo. O que viria a acontecer anos depois, já durante a Segunda República, quando a controvérsia clerical-maçônica voltou a se intensificar, explica-se pela grande mobilização daqueles setores católicos reacionários contra os mais propícios a participar do processo democrático [15]. 

Insistimos, então, que boa parte das obras que utilizam a imprensa nessa polêmica não atentam para essas nuances e, por isso, podem levar a confusão na hora de interpretar o que está acontecendo. A imprensa católica, ligada ao episcopado (ainda que exale um ultramontanismo sociopolítico) não é a imprensa política pertencente a organizações seculares cuja ideologia é a defesa dos princípios da Igreja a partir de uma posição ideológica claramente reacionária; esta é a imprensa política dos católicos, em um momento em que a Igreja – como apontamos acima – é clerical em termos de tomada de decisões. Como pudemos perceber, a forma de tratar os assuntos relacionados à Maçonaria em suas colunas certamente é diferente, embora no fundo compartilhem da mesma rejeição à referida instituição.

Recapitulação

Concluímos nosso trabalho em que analisamos como a questão antimaçônica relacionada à Igreja é abordada a partir das investigações que são realizadas a partir da maçonologia mais conhecida. Debruçamo-nos apenas sobre três questões estreitamente relacionadas (clericalismo, ultramontanismo, imprensa católica) onde descobrimos que a ausência de nuances, algumas importantes, produz desencontros interpretativos. A análise também poderia ser feita ao contrário, da eclesiologia à maçonaria, onde também se poderia apontar a falta de nuances e erros grosseiros; talvez um dia cheguemos a isso. Com isso tentamos ilustrar para que generalizações infelizes sejam evitadas e seja especificado da melhor maneira possível, para que um bom estudo não seja prejudicado por não saber qualificar rigorosamente os termos usados.

Neste sentido, creio que podemos distinguir melhor quando devemos usar rigorosamente o termo clericalismo: se nos referimos ao governo geral da Igreja; se estamos nos referindo a um grupo específico de sua estrutura piramidal e sua importância dependendo dos diferentes períodos; ou se o fizermos em referência a uma abordagem ideológica ultramontana. Neste último caso, deve-se levar em conta a heterogeneidade ideológica da Igreja em função dos tempos, o que nos permite explicar a existência do clero maçônico e que não seja tomado como comportamento estranho ou singular, nós o consideramos como um grupo rebelde ou, simplesmente, tomados por hereges; incluindo a nuance do catolicismo liberal pouco tratado, não devemos nos surpreender com a aposta ideológica de uma parte do clero pelo constitucionalismo e pelas liberdades nascidas dos processos revolucionários burgueses, “maçônicos” que diriam – seja essa condição verdadeira ou não – a interpretação eclesial tradicional ou ultramontana. E o mesmo se pode dizer da imprensa que às vezes qualificamos levianamente como católica e, embora seja verdade que em algum aspecto poderia ser, na realidade obedecia a uma certa abordagem ideológica geralmente nas mãos de políticos ultramontanos que eram os que se mostravam os mais beligerantes contra a Ordem, em parte para impedir que os católicos construíssem pontes com a nova realidade política social-liberal que se impunha. Em sentido estrito, esta imprensa não é católica, mas uma imprensa política dos católicos, muito abundante justamente nos tempos em que os leigos, por terem pouco papel nas decisões da Igreja, eram basicamente clericais.

Autor: José-Leonardo Ruiz Sánchez

Fonte: Revista REHMLAC, vol. 11, no. 1, maio-nov. 2019.

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Notas

[1] – Las reuniones celebradas periódicamente por el CEHME desde hace más de veinte años dan buena prueba del interés que tiene la controversia clericomasónica: el tema siempre tiene una sección destinada a analizar los enfrentamientos entre la Iglesia y el Estado. De la consulta del repertorio bibliográfico de la Masonería publicado José Antonio Ferrer Benimeli y Susana Cuartero Escobés, Bibliografía de la masonería(Madrid: Fundación Universitaria Española, 2004), comprobaremos que en los dos tomos se repiten dos apartados (Diversos aspectos de la antimasoneríay Confrontación Iglesia-Masonería) con más de tres mil quinientos registros, casi el veinte por ciento de todos los trabajos allí referenciados. Centrándonos en el caso español, la mayoría de los estudios se concentran sobre la etapa inicial de la Restauración, seguida de la Segunda República, a cuyo número habría que añadir otros muchos trabajos que, al analizar la Masonería en España por distintas zonas geográficas, siempre terminan refiriendo los enfrentamientos habidos con la Iglesia local.

[2] – El tema desarrollado fue del Pueblo de Dios y los laicos. Humbert Jedin, “El Concilio Vaticano II”, en Manual de Historia de la Iglesia, ed. Humbert Jedin y Konrad Repgen (Barcelona: Herder, 1984), T. IX, 157-236. Robert Rouquette, El Concilio Vaticano II(Valencia: Edicep, 1978), 192 y 295-6. Al respecto, véase también el capítulo II de Lumen Gentium, Constitución Dogmática de la Iglesia, uno de los grandes documentos emanados del Concilio.

[3] – Ricardo Martínez Esquivel, “Entre sotanas y mandiles: El proyecto centroamericano de Francisco Calvo (1865-1876)”, en 300 años: Masonerías y Masones (1717-2017). Migraciones, eds. Martínez Esquivel, Yván Pozuelo Andrés y Rogelio Aragón (Ciudad de México: Palabra de Clío, 2017), 91-116.

[4] – Javier Alvarado Planas, Monarcas masones y otros príncipes de la acacia(Madrid: Editorial Dykinson, 2017), 371-544.

[5] – Ángel Luis Guisado Cuéllar, “Cayetano del Toro y Quartiellers. Biografía, obra y pensamiento” (Tesis de Doctorado en Filosofía y Letras, Universidad de Cádiz, 2017).

[6] – Roger Aubert, “La primera fase del liberalismo católico”, en Manual de Historia de la Iglesia, ed. Humbert Jedin (Barcelona: Herder, 1978), T. VII.

[7] – Una visión muy completa de la situación de la Iglesia en América en los momentos previos a la emancipación en Joseph-Ignasi Saranyana, Teología en América Latina(Pamplona: Universidad de Navarra, 2008), en especial 88-93 y 137-148. Véase también Pedro Borges, Historia de la Iglesia en Hispanoamérica y Filipinas(Madrid: BAC, 1992) 168-172.

[8] – Pío VII, BreveEtsi longíssimo terrarum, 30 de enero de 1816.León XII,Etsi iam diu, Roma, 24 de septiembre de 1824; sobre el particular véase Luis Ernesto Ayala Benítez, La Iglesia y la independencia política de Centro América(Roma: Pontificia Universidad Gregoriana, 2007), 9 y 292-294. Marta Eugenia García Ugarte, “La jerarquía católica y el movimiento independentista en México”, en Visiones y revisiones de la Independencia Americana. México, Centroamérica y Haití, ed. Izaskun Álvarez Cuartero y Julio Sánchez Gómez (Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005), 245-270. Sobre el episcopado mexicano véase también Francisco Sosa, El episcopado mexicano(México: Editorial Innovación, 1978).

[9] – Como es sabido los tratadistas pusieron hace tiempo de manifiesto la influencia que en las formulaciones doctrinales sobre el liberalismo y la Masonería tuvo la situación vivida por la Iglesia (en realidad por los Estados Pontificios) tras el proceso de unificación italiana, orquestada por un movimiento liberal en el que participaban los que estaban afiliados a la Masonería, y toda la deriva laicista y radical que vino después con el anticlericalismo.

[10] – Puede seguirse con bastante soltura lo ocurrido al respecto en la introducción que hacemos en nuestro trabajo José-Leonardo Ruiz Sánchez, Prensa y propaganda católica (1832-1965) (Sevilla: Universidad, 2002). En su interior se recoge abundante bibliografia.

[11] – Lo expusimos en nuestro trabajo Ruiz Sánchez, “La Iglesia y la masonería en España a través del Archivo de la Nunciatura de Madrid. La recepción de la Humanun genusy las acusaciones contra la regente (1875-1899)”, en La masonería española en la época de Sagastacoord. Ferrer Benimeli (Logroño: CEHME, 2007), Tomo II, 1.129-1.155. Utilizamos en gran medida la correspondencia relacionada en el trabajo de Franco Díaz de Cerio, Índice catálogo del Fondo de la Nunciatura de Madrid en el Archivo Vaticano (1875-1899) (Roma: Iglesia Nacional Española-Pontificia Universidad Gregoriana, 1993), aparte de la consulta expresa en el Archivo Secreto Vaticano.

[12] – Los estudios sobre la controversia clericomasónica relativa a estos momentos brilla por su ausencia en las reuniones del CEHME, hecho que no nos debe llevar concluir que es inexistente. La revitalización de los talleres a partir de las fechas indicadas puedeobservarse, por ejemplo, en todas las provincias andaluzas que cuentan con estudios sobre los talleres en el siglo XX. Véase al respecto, Fernando Martínez López y Leandro Álvarez Rey, La masonería en Andalucía y la represión durante el franquismo (Madrid: Biblioteca Nueva, 2017).

[13] – Sobre la prensa masónica y paramasónica, véase Celso Almunia, “Clericalismo y anticlericalismo a través de la prensa española decimonónica”, en La cuestión social en la Iglesia española contemporánea(Madrid: Ediciones Escurialenses, 1981), 123-165. TambiénFerrer Benimeli, “Masonería, laicismo y anticlericalismo en la España contemporánea”, en La modernidad religiosa,coord. Jean-Pierre Bastian (México: Fondo de Cultura Económica, 2004), 111-123.

[14] – Ese aspecto lo podemos ver en un caso local como el que describimos en Ruiz Sánchez,“Los católicos sevillanos y la masonería en el primer tercio del siglo XX”, en La masonería y su persecución en España, coord. Juan Ortiz Villalba (Sevilla: Ayuntamiento, 2005), 41-64.

[15] – Al Respeto, véase nuestro trabajo Ruiz Sánchez, “Reflexiones sobre la controversia clericomasónica en la Restauración y Segunda República”, Studia Historica, vol 23 (2005): 153-176.

Bibliografia

Almunia, Celso. “Clericalismo y anticlericalismo a través de la prensa española decimonónica”. En La cuestión social en la Iglesia española contemporánea. Madrid: Ediciones Escurialenses, 1981.Alvarado Planas, Javier. Monarcas masones y otros príncipes dela acacia. Madrid: Editorial Dykinson, 2017.Aubert, Roger. “La primera fase del liberalismo católico”. En Manual de Historia de la Iglesia. Editado por Humbert Jedin. Barcelona: Herder, 1978.Ayala Benítez, Luis Ernesto. La Iglesia y la independencia política de Centro América. Roma: Pontificia Universidad Gregoriana, 2007.Borges, Pedro. Historia de la Iglesia en Hispanoamérica y Filipinas. Madrid: BAC, 1992.Díaz de Cerio, Franco. Índice catálogo del Fondo de la Nunciatura de Madrid en el Archivo Vaticano(1875-1899). Roma: Iglesia Nacional Española-Pontificia Universidad Gregoriana, 1993.Ferrer Benimeli, José Antonio y Susana Cuartero Escobés. Bibliografía de la masonería. Madrid: Fundación Universitaria Española, 2004.Ferrer Benimeli, José Antonio. “Masonería, laicismo y anticlericalismo en la España contemporánea”. En La modernidad religiosa. Coordinado porJean-Pierre Bastian. México: Fondo de Cultura Económica, 2004.García Ugarte, Marta Eugenia. “La jerarquía católica y el movimiento independentista en México”. En Visiones y revisiones de la Independencia Americana. México, Centroamérica y Haití. Editado por Izaskun Álvarez Cuartero y Julio Sánchez Gómez. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2005. Guisado Cuéllar, Ángel Luis. “Cayetano del Toro y Quartiellers. Biografía, obra y pensamiento”. Tesis de Doctorado enFilosofía y Letras, Universidad de Cádiz, 2017.Jedin, Humbert. “El Concilio Vaticano II”. En Manual de Historia de la Iglesia. Editado por Humbert Jedin y Konrad Repgen. Barcelona, Herder, 1984.Martínez Esquivel, Ricardo. “Entre sotanas y mandiles: El proyecto centroamericano de Francisco Calvo (1865-1876)”. En 300 años: Masonerías y Masones (1717-2017). Migraciones. Editado por Ricardo Martínez Esquivel, Yván Pozuelo Andrés y Rogelio Aragón. Ciudad de México: Palabra de Clío, 2017.Martínez López, Fernando y Leandro Álvarez Rey. La masonería en Andalucía y la represión durante el franquismo. Madrid: Biblioteca Nueva, 2017.Rouquette, Robert. El Concilio Vaticano II. Valencia: Edicep, 1978.Ruiz Sánchez, José-Leonardo. “La Iglesia y la masonería en España a través del Archivo de la Nunciatura de Madrid. La recepción de la Humanun genusy las acusaciones contra la regente (1875-1899)”. En La masonería española en la época de Sagasta. Coordinado por José Antonio Ferrer Benimeli. Logroño: CEHME, 2007.Ruiz Sánchez, José-Leonardo. “Los católicos sevillanos y la masonería en el primer tercio del siglo XX”. En La masonería y su persecución en España. Coordinado por Juan Ortiz Villalba. Sevilla: Ayuntamiento, 2005.Ruiz Sánchez, José-Leonardo. “Reflexiones sobre la controversia clericomasónica en la Restauración y Segunda República”. Studia Historica, vol 23 (2005): 153-176.Ruiz Sánchez, José-Leonardo. Prensa y propaganda católica (1832-1965). Sevilla: Universidad, 2002.Saranyana, Joseph-Ignasi. Teología en América Latina. Pamplona: Universidad de Navarra, 2008.Sosa, Francisco. El episcopado mexicano. México: Editorial Innovación, 1978.

Aprendendo com Aprendizes e Companheiros

Afinal, vamos para a Loja é para aprender ou não? E os irmãos estão satisfeitos?

Creio já estarmos um tanto ou quanto enfastiados de ouvir de parcela de nossos Mestres como tiveram uma brilhante trajetória na Ordem ao falarem reiteradamente sobre si mesmos e suas realizações, expondo opiniões em desordenados falatórios acacianos e dizendo que é assim e assado que pensam (Magister dixit), muitos demonstrando desdém pelas demandas dos Aprendizes e Companheiros ou o que estes também têm a ensinar-lhes. Graças ao Grande Arquiteto do Universo prevalece a tolerância, o carinho, o respeito e o bom humor, em especial.

Alguns apenas abrem a boca para ufanar-se de ter atingido o ápice dos Graus Superiores, de ocupar tais e tais cargos na Potência e para exaltar relacionamentos estreitos com autoridades da Ordem. Por vezes, com o maior caradurismo, insinuam-se para comendas e homenagens. Normalmente esses “monstros sagrados” encontram-se aboletados no Oriente das Lojas e declinam de convocações para ocupar cargos para compor as sessões de trabalho por ausência dos titulares. Esse “Oriente” deveria ser apenas um caminho a ser percorrido, não um status.

Constata-se, com certa regularidade, uma dissonância cognitiva entre o que pregam e o que fazem alguns desses Mestres. Em resumo, respeitado o mérito, onde couber, por uma questão de justiça, o que se constata em determinadas situações são demonstrações de muita arrogância travestida de sabedoria e um vazio de conhecimentos. Segundo um calejado mestre pai d‘égua da Ordem, “quem exalta os próprios méritos, menos créditos tem”.

Isso pode ser facilmente constatado em Loja, nas oportunidades em que são ministradas as Instruções Maçônicas, ao reinar o mais absoluto silêncio por parte dos Mestres quando a palavra circula para que sejam agregados comentários que possam enriquecer os conteúdos apresentados. Essa ambiguidade gera comprometimento da credibilidade nos Valores da Ordem e desânimo junto aos principiantes, redundando, por vezes, na baixa do número de obreiros da Oficina.

Um aviso aos novéis Mestres: não caiam na lorota de acreditar que ao atingir a Plenitude Maçônica[1] está tudo dominado. Afinal, o mestrado maçônico está apenas começando. Torna-se indispensável manter o interesse pelos estudos. Por outro lado, alguns com mais tempo de caminhada se perguntam: voltar a interessar-me pelos estudos depois de “velho”? Atenção! Segundo Mário Sérgio Cortella, idoso é diferente de velho.

“Idoso é quem tem bastante idade, velho é o que acha que já sabe, que já está pronto”.

E mais, o idoso moderno tem projetos e se renova a cada dia; o velho rabugento[2] vive de recordações, e, no nosso métier, apenas exulta-se das glórias do passado para as quais não contribuiu e recebeu graciosamente como legado dos denodados irmãos que nos precederam. Por vezes julga-se um “guru” com direito a criticar tudo e a todos, dizer o que é certo e errado e adora ser exageradamente reverenciado. Qualquer paralelo com os chamados gases raros que compõem os elementos do grupo 18 (família 8A) da tabela periódica e o número 7 é pura maldade! Castigat ridendo mores.

Em algumas oportunidades, integrantes dessa nobreza articulam a concepção de grupos de massa crítica propositiva que logo descambam para futricas e olhar de desapreço em relação a trabalhos apresentados, emitindo comentários ditos abalizados, mas que na realidade tendem a deslustrar a imagem de obreiros esforçados e dedicados à Sublime Ordem, em flagrante atitude de soberba ou mesmo de inveja, na tentativa de esmorecer lídimas iniciativas ou ensejar um autoatribuído poder de censura. Em comum elogiam-se mutuamente, mas demonstram que a Pedra Bruta ainda precisa de muita lapidação e polimento.

De uma forma desrespeitosa, segmento dessa elite tenta influenciar Aprendizes e Companheiros ao difamar reputação de escritores maçônicos brasileiros do passado que construíram os alicerces onde esses críticos se formaram, desaconselhando a leitura de obras desses baluartes. Já chegamos ao absurdo de ver postadas figurinhas depreciativas de troféus com o nome desses autores de referência (Troféu XYZ de viagem na maionese, e.g.). Outro péssimo exemplo para os Aprendizes e Companheiros é a postagem de figurinhas com sinais maçônicos, em flagrante descumprimento de juramento prestado. Isso a Maçonaria não ensina, mas reitera que não impõe nenhum limite à livre investigação da Verdade e para garantir a todos essa liberdade, ela exige de todos os seus membros a maior tolerância.

Têm-se notícias de que inoportunos grupos críticos exclusivistas, em sistemáticas trocas simultâneas de mensagens em tons desdenhosos durante apresentação de palestras por videoconferência, conspiram para colocar os apresentadores em saia justa por meio de perguntas desestabilizadoras. Esse formato de associação precisa ser desincentivado e eventuais convidados devem declinar de plano desse tipo de assédio e os atuais componentes desses grupos radicais deveriam desligar-se de imediato, sob pena de terem a imagem conspurcada. Nesse imbróglio, permitimo-nos destacar um aforismo não se sabe de autoria ou atribuído a Steve Jobs:

“Você nunca será criticado por alguém que esteja fazendo mais do que você, você só será criticado por alguém que esteja fazendo menos.”

Por sua vez, os valorosos Mestres idosos e experimentados, que já acumularam relevante bagagem na senda do conhecimento e sabedoria, devem despertar nos mais jovens a motivação para seguirem seus passos e aprenderem juntos, mantendo o brilho nos olhos, nunca encarando desafios como problemas e demandas como sacrifícios, tendo como meta o aprimoramento e conquista de realizações, de sempre ir além e crescer na Ordem. A vivência e generosidade desses Mestres, que felizmente são a maioria, reconhecidos e queridos por todos, tornam mais suave e estimulante a marcha dos Aprendizes e Companheiros. A essência deve estar nos exemplos e nas mensagens que passam a esses irmãos em formação.

Argumenta-se que haveria na Maçonaria um conflito geracional, com o desgastado discurso de que os mais jovens naturalmente rejeitam as tradições e o que é antigo, desejando o novo e a promoção de mudanças, transformações por vezes geradoras de conflitos. Mesmo dentro das faixas etárias verificam-se necessidades e interpretações distintas, dada a própria diversidade e formação dos obreiros, levando pessoas de uma mesma geração em qualquer tempo a não compartilhar os mesmos valores e atitudes. Há que se focar no equilíbrio e conciliação, tendo como escopo os princípios fundamentais da Maçonaria.

Como sabemos, tradição é aquilo que vem do passado, que deve ser protegido, guardado e difundido. Na Maçonaria, além da sua declaração de princípios e o propósito definido para cada Grau, os símbolos e alegorias são exemplos e carecem ser conservados, por auxiliarem seus membros a reter os ensinamentos pela impressão que causam aos sentimentos, ao espírito e à razão. Com o suporte dos cobridores dos respectivos Graus e os critérios de reconhecimento, forma-se a sua base como uma instituição de sucesso, já tendo ultrapassado a marca de mais de três séculos de sólida existência, na sua vertente moderna.

O modernismo a que refere os tempos atuais deve ser avaliado com cautela, para que sejam absorvidos os instrumentos que incrementam o sucesso até então alcançado, inclusive tecnológicos, fazendo as devidas adaptações, de forma refletida, dentro do conceito de modernidade, sem abandonar as tradições, deixando de lado discursos de desconstrução e reconstrução que levariam a Maçonaria a seu enfraquecimento.

A resposta para o Mestre Maçom de como enfrentar e superar esses novos tempos deveria ser óbvia, ou seja, dar um gás, saber o que ainda não se sabe, aprender com os irmãos mais experientes, com aqueles que são verdadeiras lições ambulantes, e com a nova geração de Aprendizes e Companheiros, uma espécie de mentoria reversa, do tipo colaborativa, facilitando o intercâmbio de conhecimentos e percepções. Indubitavelmente, a Loja é dos Mestres e é composta exclusivamente por eles; os Aprendizes e Companheiros a complementam e estão em processo de transição e lapidação, de aprendizado de vida e para a vida, em busca da luz ao interpretar os elementos fundamentais do simbolismo e realizar, em atividades construtivas, os conhecimentos adquiridos e assim atingirem o mestrado maçônico. Vale elucubrar sobre a máxima de que “maçonaria é aquilo que você faz quando a sessão acaba”.

Esse contexto merece uma reflexão mais profunda, pois são esses Mestres que recrutam os novos membros e, como bem destaca Napoleon Hill, no seu livro “Mais Esperto que o Diabo”:

“Quando você fala de líderes que são bem-sucedidos porque ‘sabem escolher homens’, você pode mais corretamente dizer que eles são bem-sucedidos porque sabem como associar mentes que se harmonizam naturalmente. Saber como escolher pessoas de forma bem-sucedida, para qualquer objetivo definido na vida, é uma habilidade desenvolvida para reconhecer os tipos de pessoas cujas mentes naturalmente se harmonizam.”

Com base na afirmação acima, a pergunta que não quer calar é: como está a qualidade de nossas escolhas dos novos Aprendizes, a formação e o preparo de quem os recruta junto à sociedade e, na sequência, ministram-lhes os fundamentos da Ordem? A resposta está com os gestores das respectivas Lojas e não deve circunscrever-se à busca de culpados por eventuais erros do passado, mas na construção de futuros possíveis e alvissareiros, cultivando o orgulho de ser Maçom. Aí reside o busílis.

…Há que se cuidar da vida…Há que se cuidar do mundo…Tomar conta da amizade…” (Coração de Estudante: Milton Nascimento / Wagner Tiso)

Autor: Márcio dos Santos Gomes

Márcio é Mestre Instalado da Loja Maçônica Águia das Alterosas Nº 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte; Membro Academia Mineira Maçônica de Letras e da Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras; Membro da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati” Pedro Campos de Miranda; Membro Correspondente Fundador da ARLS Virtual Luz e Conhecimento Nº 103 – GLEPA, Oriente de Belém; Membro Correspondente da ARLS Virtual Lux in Tenebris Nº 47 – GLOMARON, Oriente de Porto Velho; Membro Correspondente da Academia de Letras de Piracicaba; colaborador do Blog “O Ponto Dentro do Círculo”.


Notas

[1] Vide artigo Plenitude Maçônica, em: https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2018/12/13/plenitude-maconica/

[2] Vide artigo “O irmão rabugento”, em:  https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2018/11/01/o-irmao-rabugento/

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A imutabilidade dos landmarks sob questão

Todos sabemos do caráter de imutabilidade e irrevogabilidade com que são gravados os landmarks. Ela é determinada pelo último desses marcos, que regula a inalterabilidade dos anteriores, nada podendo ser-lhes acrescido ou retirado. Daí talvez o caráter de sagrado com que esses marcos são tratados por muitos irmãos, como se eles tivessem sido revelados a Mackey, assim como foram os dez mandamentos revelados a Moisés.

Felizmente, existem também irmãos que entendem que essa é uma obra do próprio Mackey e, por isso, podem ser questionados e até alterados, sem o cometimento de qualquer heresia.

Graças a este segundo entendimento, me permito fazer neste trabalho um questionamento que, para ser breve, restringirei apenas ao último desses marcos, o qual julgo ser o mais arbitrário da lista. Tal landmark, nas palavras de Mackey, afirma a inalterabilidade dos anteriores, nada podendo ser-lhes acrescido ou retirado, nenhuma modificação podendo ser-lhes introduzida. Assim como de nossos antecessores os recebemos assim os devemos transmitir aos nossos sucessores.

Meu primeiro argumento contra, baseia-se nos ensinamentos de um dos maiores pensadores de todos os tempos; o filósofo “pai do Iluminismo”, Immanuel Kant.  Segundo ele, a pedra de toque de tudo o que se pode decretar como lei sobre um povo reside na pergunta: poderia um povo impor a si próprio essa lei?”   

A validade desse preceito kantiano invalida a autoridade do último marco de Mackey pois, como nos apontam vários autores, o próprio Mackey criou e alterou alguns desses marcos. Portanto, conforme esse aforismo, se a regra não valeu para o próprio Mackey, não deveria valer para mais ninguém.

O segundo argumento eu o encontrei em uma instrução dos graus superiores de nossa própria Ordem. Nessa instrução, um dos monitores pergunta “que outras condições devem ter as Leis Constitucionais”. A resposta é que o próprio texto de uma constituição deve explicar clara e terminantemente a maneira de reformulá-las, quando o progresso exigir, pois o que em determinada época se criou bom, não o é em outras. Essa instrução deixa claro o caráter progressista da maçonaria, esclarecendo-nos que nada é para sempre, nem mesmo as leis constitucionais da ordem.

A esses dois argumentos, um de origem filosófica e outro de origem instrutiva, acrescento um último, definitivo, que é o cerne da filosofia e da doutrina maçônica: o uso da razão. E a razão, bem sabemos, não aceita imposição, não aceita autoridade, não aceita mandamentos. Portanto, não fica bem para a nossa ordem a imposição de uma regra, por si só, a nós, discípulos da razão! 

Portanto, se entendido que as duas primeiras premissas já invalidam tal landmark, a última é o tiro de misericórdia na pretensão de Mackey, de querer imutáveis e definitivos seus landmarks.

Sem qualquer pretensão, vou além: acredito que esses argumentos fragilizam toda defesa de inalterabilidade ou imutabilidade que possa existir em nossa ordem. Ou seja, nada deve estar imune a discussões, a confrontações, a debates, quando almejamos a verdade. E nada, a bem da preservação da própria instituição, deve resistir a mudanças necessárias quando uma razão muito bem apurada assim orientar.

Porém, antes de terminar, entendo que apesar do dito, deve-se grande justiça ao valoroso irmão Mackey. Considere-se o tempo em que tais landmarks foram promulgados; uma época de profundas e constantes transformações na sociedade europeia. Além dos reflexos da Revolução Francesa, as instituições também experimentavam grandes desafios lançados pela publicação do “Manifesto Comunista” e de “A Origem das Espécies”, obras que impuseram fortes provações aos paradigmas sociais e científicos da época. Foi nesse contexto conturbado, marcado por sérias transformações de toda origem, que Mackey se ocupou dessa complicada tarefa. Muito provavelmente, preocupado com toda aquela transformação de costumes, Mackey adotou essa medida conservadora, como forma de preservar o que ele argumentava ser a tradição da ordem. Ou seja, utilizou-se do conhecido “argumentum ad antiquitatem” (argumento da antiguidade), para fazer acreditar que, se algo sempre foi assim, não tinha por quer ser mudado.  Talvez uma falácia, mas que surtiu o efeito desejado, salvando nossa Ordem daquelas convulsões sociais, preservando-a até nossos dias.   

O que não vejo justificativa é para, ainda hoje, livres dos riscos do passado, existirem irmãos apressados a julgar hereges e quererem condenar ao fogo do inferno, qualquer outro que ouse discutir as regras de nossa ordem. Aos “inquisidores” de plantão, vale lembrar que a Maçonaria nos foi dada por homens, não por deuses!

Autor: Gilberto Duque

*Gilberto é Mestre Maçom da ARLS Águia das Alterosas – Nº 197, da GLMMG, Oriente de Belo Horizonte.

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A “Vigilância da Pátria” – A ação da maçonaria brasileira durante a década proibida (1822-1831) – Parte VIII

2.3 – A composição dos quadros e o início da abertura (1825-1828)

A composição dos quadros da Vigilância da Pátria pode ser compreendida dividindo os irmãos em dois grupos, aqueles que se filiaram à loja e já eram iniciados em outras localidades anteriormente e o grupo daqueles que foram iniciados na própria Vigilância. Essa divisão, apesar de aparentar um simples agrupamento entre antigos e novos maçons, traz em seu cerne uma divisão não apenas geracional, mas apresenta também em alguma medida as mudanças e, ao mesmo tempo, as continuidades de mentalidades no interior da fraternidade.

Como visto anteriormente, os primeiros quadros da loja eram compostos por maçons já iniciados em algum momento e que por isso, apenas se filiaram à loja. Uma vez iniciado, um maçom não necessariamente permanece vinculado a sua loja de origem, podendo migrar de loja por diversos motivos, tais como mudanças de endereço, de rito, para a fundação de outra loja, por disputas internas ou qualquer outra questão, podendo permanecer vinculado a alguma outra loja por meio de alguma distinção, como a de membro honorário253. No caso dos membros instaladores da Vigilância, não havia naquele momento outra loja de vinculação em funcionamento no país e assim os seus fundadores não possuíam vínculos com outras lojas ou mesmo as suas de origem.

Entretanto, não há nas atas da Vigilância nenhuma indicação dos locais de iniciação de seus fundadores, o que em um primeiro momento nos impede de localizar as tradições e ritos nos quais estes maçons foram iniciados254. Mas, quando analisamos o grupo instalador da loja, podemos fazer uma distinção entre aqueles que por formação profissional passaram pelas universidades europeias, como a faculdade de Direito em Coimbra, e aqueles cuja formação se deu no território brasileiro. Assim, àquele primeiro grupo pertencem Nicolau Vergueiro, Antonio Pedro da Costa Ferreira, Joaquim Francisco Alves Branco Muniz Barreto, José Lino Coutinho, Antonio José do Amaral e Candido José de Araújo Vianna255. Os demais membros fundadores têm seu local de formação, e provavelmente de iniciação no próprio Brasil. Formado majoritariamente por militares e comerciantes, além de funcionários públicos e fazendeiros, este segundo grupo tem suas atividades profissionais de formação no Exército ou na Academia Militar, atividades de comércio, e no caso de Paula Souza era um autodidata256.

Embora exista uma distinção de locais de formação do quadro original, esta não é uma garantia acerca dos locais de iniciação destes homens. A própria ausência destes dados nas atas demonstra que esta é uma questão de menor preocupação, todos estes homens se afirmavam como maçons, e eram reconhecidos como tal pelos demais membros da loja.

No primeiro ano de existência da Vigilância todos os filiados à loja eram maçons já iniciados anteriormente. A ausência de novas iniciações entre 1825 e junho de 1826 não aparenta ser uma escolha deliberada dos membros da loja, mas uma imposição das circunstâncias da construção da própria oficina, uma vez que os debates das reuniões se voltaram para as formas de organização da loja, a questão dos grupos de rodízio e demais condições de proteção dos trabalhos. Por estas razões todas, os primeiros maçons filiados neste período eram todos já iniciados em fases anteriores, sempre convidados por algum membro da loja e aprovado pelos demais por meio de consulta.

Além dos locais de formação dos membros da loja, é possível compreender a distribuição dos quadros entre alguns grupos específicos. Militares, comerciantes, deputados, fazendeiros (políticos ou não), editores de jornais, clérigos, funcionários públicos, profissionais liberais e letrados em geral. Essa composição aparentemente heterodoxa de perfis profissionais e de formação dos membros da Vigilância pode ser compreendida não apenas pela unidade da loja, mas muito por serem o típico perfil dos maçons brasileiros desde as primeiras lojas iniciadas no país.

O primeiro grupo ampliado dentro da Vigilância da Pátria é constituído pelos militares. Parte significativa dos primeiros maçons filiados à Vigilância advinham dos quadros da Academia Militar, fossem eles professores ou oficiais de menor patente. Como três dos fundadores, Vieira Souto, José do Amaral e Joaquim de Lima e Silva que eram frequentadores da Academia (os dois primeiros como professores e o terceiro como oficial graduado), assim não é de todo estranho a rápida adesão destes militares à oficina. Além disso, existiam outros militares que compunham os quadros originais e não estavam ligados à academia militar, mas sim ao comando de tropas de terra, como João e Luiz Manoel de Lima e Silva, irmãos do primeiro vigilante e responsáveis pelas tropas no extremo sul, principalmente durante a Guerra da Cisplatina.

Nas atas entre 1825 e 1828 são listados trinta e sete militares, das mais variadas patentes. Se no primeiro ano de existência da loja localizamos sobretudo militares de alta e média patente, muitos comandantes de tropas próximas ao Rio de Janeiro como os irmãos Lima e Silva, ou professores da Academia Militar, ao longo dos anos não apenas oficiais de outras patentes foram integrados, como oficiais recém-saídos da própria academia257. Entretanto, nas atas poucos militares têm seus nomes registrados por completo, sendo esta uma das categorias, que em conjunto aos comerciantes, tiveram uma identificação mais restrita, por mais que houvesse a descrição das patentes destes militares, sobretudo capitães e tenentes, as iniciais destes muitas vezes se repetem em mais de duas pessoas entre as listas de militares.

Os militares compuseram uma força especial dentro dos quadros da Vigilância, pois suas possibilidades de deslocamento dentro do território facilitava a circulação de informações e avisos entre os círculos das províncias junto ao círculo central. Fossem andadores nomeados para o local ou eventuais, os militares da loja representavam a principal força de circulação da fraternidade, sendo os dois principais andadores militares. Pinto Coelho da Cunha, coronel, e Vieira Souto, capitão em 1825 e elevado a major em 1827, centralizaram as ações dos andadores e foram responsáveis pela indicação de vários militares. Além disso, é importante destacar que um dos círculos da cidade do Rio de Janeiro, aquele chefiado por Antonio José do Amaral, se reunia frequentemente dentro do prédio da Academia Militar258.

Assim como os militares, os comerciantes, alguns profissionais liberais e os funcionários públicos compõem outras categorias dentro da Vigilância da Pátria que representam grandes dificuldades no mapeamento de seus membros. Ainda que parte dos fundadores da loja fossem pertencentes a estas classes sociais, a grande maioria está identificada apenas por suas iniciais, sem constar qualquer informação sobre que tipo de comércio ou a localidade destes, principalmente nos grupos do Rio de Janeiro.

Sendo esta provavelmente a categoria social mais vulnerável, conjuntamente aos recém-formados da Academia Militar. A identificação dos irmãos comerciantes nas atas representava um risco grande, já que em caso do confisco das atas, estes seriam “os primeiros de nossos irmãos a serem presos pelas autoridades, acusados de qualquer descalabro que imaginarem os membros da intendência e deste governo, de forma que é dever de todo irmão desta loja a proteção de suas identidades”259.

Esta afirmação de Lima e Silva, no primeiro ano de funcionamento da loja, reforça a preocupação com a proteção dos irmãos politicamente mais desprotegidos, e também demonstra que os receios sobre a fiscalização e possíveis prisões dos membros da loja encontravam eco no passado recente, nos processos da Bonifácia e nos acontecimentos da Confederação do Equador.

Proteger as identidades de vários dos irmãos era uma necessidade tendo em vista um risco não desprezível ou longínquo, mas uma possibilidade real aos membros da Vigilância, daí a proteção dos membros da loja, assim como a escolha de apenas um livro de atas contendo os registros de atividades sob a tutela de um único secretário, que possivelmente seria o membro menos visado pela Intendência, já que era oficial de tal instituição260.

Entre os profissionais liberais e funcionários públicos, os membros identificados compõem mais da metade destas categorias, uma vez que gozavam de prestígio e proteção maiores que os comerciantes. Entre os profissionais liberais, as maiores distribuições de formação estão entre médicos, advogados e professores, alguns destes ligados à Academia Militar, como o caso de Joaquim José Rodrigues Torres, lente substituto de geometria na Academia. Estes profissionais, ainda que em sua admissão à loja não exercessem cargos políticos, como é o caso de Rodrigues Torres e outros, posteriormente seriam eleitos para diversos cargos261.

Dentre os irmãos listados, chama a atenção os casos de Joaquim Francisco Alves Branco Muniz Barreto e Vicente Ferreira dos Guimarães Peixoto, sendo o primeiro filho de um dos mais notórios maçons de 1822 e o segundo o fundador da loja Seis de Março em 1821.

Muniz Barreto é um dos membros fundadores da Vigilância, em 1825 recém-chegado de Portugal, onde se formou em direito em Coimbra. Iniciado em Coimbra durante seu período de estudos, embora não conste o nome de sua loja de iniciação, era filho de Domingos Alves Muniz Barreto, o “vovô maçom”, membro do Oriente de 1822. O seu caso desperta atenção, já que muito possivelmente este seria um membro visado por sua história familiar, ainda que essa preocupação não conste nas atas. O próprio Domingos aparece na sessão de 25 de outubro de 1827 identificado como visitante do círculo de Salvador, o que levantou debate entre os círculos da corte sobre a possibilidade de que maçons notórios, que tinham sua filiação à Vigilância proibidos em 1825 pudessem ou não frequentar reuniões de círculos fora do Rio de Janeiro, possibilidade esta que foi vetada naquela sessão262.

Mas, se Muniz Barreto era filho de um maçom notório, o que não impactava em sua filiação, uma vez que a restrição era apenas a seu pai, o caso de Guimarães Peixoto também é singular, uma vez que este figurava entre os fundadores da Seis de Março, loja bastante atuante em Pernambuco durante a Confederação, como visto no capítulo anterior. Entretanto, Peixoto não estaria em Recife durante os acontecimentos de 1824, posto que, segundo Mário Melo, teria sido preso em 1821 por ter liderado a conspiração e atentado contra o governador português Luiz do Rego, sendo enviado para Lisboa, onde foi inocentado em 1822. Entretanto, Guimarães Peixoto teria retornado para o Rio de Janeiro, o que pode explicar a ausência de seu nome entre os restritos de filiação263.

Entre os funcionários públicos, aquele que recebe maior destaque nas atas é Epifânio José Maria Pedroso, 2º vigilante do círculo principal e exercendo a mesma função no “círculo jovem” da loja. Epifânio era oficial da Secretaria dos Negócios do Império, cargo que herdou do pai. Letrado, tradutor, é dele a maior parte das indicações de leitura aos membros da loja, muitas das quais foram traduzidas por ele e disponibilizadas aos membros por empréstimo, sempre a serem retiradas nas tipografias do jornal Astrea ou do jornal Aurora Fluminense, cujos editores pertenciam à Vigilância264.

Outros membros que eram funcionários públicos carecem dos problemas de anonimato nas atas, sendo estes grupos composto majoritariamente por estes anônimos ou não identificados em sua totalidade. Eles eram responsáveis pela manutenção dos trabalhos da loja durante o período de recesso parlamentar, quando os políticos retornavam às suas províncias. A manutenção das práticas de ocultar os nomes completos destes quadros gera uma dupla dinâmica dentro da loja, em que ao mesmo tempo em que apontam para os riscos das atividades da Vigilância no Rio de Janeiro, representam as dinâmicas plurais da loja, assim como a importância de tais “ilustres anônimos” na manutenção dos trabalhos da loja no Rio de Janeiro durante o período de recesso parlamentar, assim como dos trabalhos dos círculos locais durante o período legislativo.

A mais notória das categorias de membros da Vigilância da Pátria é sem dúvidas a dos deputados e demais políticos eleitos em diversos momentos da década de 1820. Ainda que nem todos os deputados de oposição ao governo pedrino tenham se filiado à loja ao longo dos anos, chama atenção o número de deputados filiados. Tal presença não é uma exclusividade da Vigilância, como visto no capítulo anterior, mas uma constante na história da própria maçonaria, lugar privilegiado de articulação e circulação de pessoas e ideias. Além disso, a Vigilância representava um local privilegiado ao escapar de qualquer influência ou controle dos grupos mais próximos ao governo.

Entre os fundadores da Vigilância encontramos ex-deputados da Assembleia Constituinte (e mesmo das Cortes de Lisboa), além de deputados eleitos em suas províncias para a Legislatura que se iniciava em 1826. Destes deputados, Nicolau Vergueiro, venerável da loja, é aquele que passou por todas estas representações, sendo indicado na lista tríplice ao Senado por São Paulo, mas não sendo escolhido.

Constam como membros da Vigilância da Pátria entre os anos de 1825 e 1826, entre instaladores da loja ou filiados a ela, os deputados da primeira legislatura João Candido de Deus e Silva (Pará); João Braulio Muniz (Maranhão); Pedro de Araújo Lima, Antonio Francisco de Paula e Hollanda Cavalcanti e Albuquerque, Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira, Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque, Caetano Maria Lopes Gama, Francisco de Paula Cavalcanti e Albuquerque (Pernambuco); José Lino Coutinho, José Cardoso Pereira de Mello, Francisco Agostinho Gomes, João Ricardo da Costa Dormund (Bahia); Manoel José de Souza França, José da Cruz Ferreira, Luiz Pereira da Nobrega de Souza Coutinho (Rio de Janeiro); Candido José de Araújo Vianna, José Carlos Pereira de Almeida Torres, Manoel Rodrigues da Costa, Joaquim José Lopes Mendes Ribeiro, José de Rezende Costa, José Bento Leite Ferreira de Mello, José Custódio Dias, Custódio José Dias (Minas Gerais); Raymundo José da Cunha Mattos (Goiás); Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, José Ricardo da Costa Aguiar, José Arouche de Toledo Rendou, Francisco de Paula Souza e Mello, Diogo Antonio Feijó (São Paulo); José Joaquim Machado de Oliveira, Feliciano Nunes Pires, Francisco Xavier Ferreira (Rio Grande do Sul); Don Lucas José Obes e Don Francisco Llambi (Cisplatina).

Este primeiro grupo de deputados filiados à Vigilância, todos eles iniciados anteriormente em algum local não especificado, não formavam um bloco monolítico na Câmara, ainda que possam ser majoritariamente compreendidos como membros da oposição antipedrista, assim como não apresentaram projetos de forma sempre conjunta. Ainda que as atas não registrem discussões políticas no interior da loja, uma vez que esta não é uma prática das atas de sessão na maçonaria, não é de todo impossível acreditar que estas discussões acontecessem entre os irmãos, em espaços anteriores ou posteriores à sessão, não apenas pela composição dos membros da loja, mas sobretudo por ser a fraternidade um espaço importante de construção de sociabilidades entre homens muitas vezes de espaços e atuações distintas. Da mesma forma que em outras lojas maçônicas em décadas anteriores, a Vigilância congregou experiências políticas importantes, ainda que a política formal não fosse o fim da loja ou mesmo de seus fundadores.

Dado tal caráter de congregação de múltiplos projetos, assim como de experiências políticas, não é estranho observar a ampliação significativa de membros da loja eleitos em anos posteriores, sobretudo nas eleições de 1828, para os mais diversos cargos políticos. Esta ampliação de membros da Vigilância eleitos é observada em diversas localidades, seja nos conselhos de província, câmaras municipais ou mesmo para juízes de paz, sendo significativa a eleição para a segunda legislatura da Câmara dos Deputados, onde a presença de maçons, sobretudo anti-pedristas é ampliada. Se em 1826 os membros da Vigilância eram 34 deputados, portanto, mais de um terço dos representantes eleitos para a legislatura, na 2ª legislatura o número de maçons eleitos cresce significativamente, chegando a 54 deputados, sendo estes mais da metade da Câmara.

Para além dos deputados de 1826, reeleitos, foram eleitos para a segunda legislatura da Câmara Antonio Pedro da Costa Ferreira (Maranhão); José Martiniano de Alencar (Ceará); Ernesto Ferreira França, Luiz Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, Francisco de Paula de Almeida e Albuquerque, Francisco de Carvalho Paes de Andrade (Pernambuco); Antonio Ferreira França, Manoel Alves Branco, Miguel Calmon du Pin e Almeida, José Carlos Pereira de Almeida Torres, Antonio Pereira Rebouças, José da Costa Carvalho, Joaquim Francisco Alves Branco Muniz Barreto (Bahia); Antonio José do Amaral, José Joaquim Vieira Souto (Rio de Janeiro); Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, José Cesário de Miranda Ribeiro, Antonio Pinto Chichorro da Gama, Honório Hermeto Carneiro Leão, Evaristo Ferreira da Veiga, João Antonio de Lemos (Minas Gerais); Rafael Tobias de Aguiar, Antonio Paes de Barros (São Paulo). Além deles, outros maçons tomariam posse como suplentes ao longo da legislatura, como Manoel de Carvalho Paes de Andrade (Pernambuco) e José Feliciano Pinto Coelho da Cunha (Minas Gerias).

O grande número de deputados, mas sobretudo a distribuição destes pelas províncias acompanha a própria expansão dos círculos da Vigilância da Pátria, alargando significativamente o número de maçons vinculados à loja, o que acabou por resultar também na presença de seus membros no legislativo. Se os deputados de 1826 eram filiados à loja, entre os deputados eleitos em 1828 constam filiados, em sua maioria, mas também alguns dos primeiros iniciados na loja, como Ernesto Ferreira França e Honório Hermeto Carneiro Leão, membros dos corpos mais jovens da Vigilância265.

O último grupo de destaque entre os membros da Vigilância da Pátria era composto pelos editores dos principais jornais do Brasil no período. Este é talvez o grupo mais peculiar entre os membros da loja, uma vez que estes editores podem ser majoritariamente encontrados como sendo membros de outros grupos já elencados, exercendo outras ocupações profissionais.

Os dois principais jornais da cidade do Rio de Janeiro, possuíam como editores membros de destaque da loja. A Ástrea, editado por Antonio José do Amaral e José Joaquim Vieira Souto, e A Aurora Fluminense, de Evaristo da Veiga, figuram não apenas como os principais jornais de oposição na corte, mas também como referencial para outros jornais nas províncias.

Além da linha editorial, a tipografia da Ástrea era também um ponto de encontro importante para os membros da Vigilância, utilizado pelo andador Vieira Souto, além de local de empréstimo dos livros fornecidos por Epifânio Pedroso. A redação da Ástrea funcionava para os membros da loja como local de encontro político e vinculação de ideias no jornal266. A Aurora Fluminense, por sua vez, funcionou como ponto de encontro sobretudo do círculo mais jovem da Vigilância, do qual Evaristo era membro267.

Entre os membros da Vigilância havia, ademais, editores de muitos dos jornais de oposição em outras províncias, sobretudo São Paulo e Minas, onde editores como José da Costa Carvalho, João Bráulio Muniz (O Pharol Paulistano), Antonio Joaquim Pereira de Magalhães (Astro de Minas), além de outros membros da loja atuando como contribuidores desses jornais de oposição, fornecendo artigos ou publicações para jornais e panfletos. Os jornais provinciais, de menor duração ou alcance que aqueles do Rio de Janeiro, muitas vezes replicavam partes de artigos do Ástrea ou do Aurora, numa rede de circulação de ideias.

Os membros da Vigilância compunham, portanto, uma espécie de padrão típico das filiações de maçons brasileiros de períodos anteriores, ainda que o ineditismo da Vigilância em concentrar a maior parte dos maçons identificados no Brasil do período e sua prerrogativa em filiar à loja apenas maçons não vinculados à antiga potência fluminense, assim como podemos encontrar uma espécie de padrão político entre seus membros, os quais partilham de um incômodo com o governo pedrino ou uma atuação de clara oposição ao mesmo.

No discurso inaugural da loja proferido por Vergueiro, este reforçava uma espécie de missão para a loja como “vigilantes da pátria, para construir a nação”268. Conforme as atas da loja, esta não se constituiu como um espaço de formulações políticas em específico, mas representava um espaço de circulação de pessoas e ideias, o que não significa que estivessem ausentes articulações políticas para eleições ou atuações na Câmara e na imprensa. A própria composição da loja permitia essas articulações, visto que não apenas a constituía um espaço comum, esta não seria uma experiência inédita, como visto no capítulo anterior sobre a atuação das primeiras lojas brasileiras.

Em suma, a Vigilância era um espaço de construção de sociabilidades e experiências comuns a um grupo que partilhava de ideias comuns, ampliadas pelas particularidades da própria vinculação maçônica e de suas redes de amizade e relações sociais, ao mesmo tempo em que se valiam da própria rede de apoio e proteção fornecidas pela irmandade. Estas redes de apoio, que foram fundamentais para a existência da loja ao longo dos anos, se tornaram ainda mais importantes a partir de 1828, quando a mudança da situação política permitiu também a lenta estabilização da Vigilância e o princípio do processo de saída da clandestinidade.

O início das transformações cotidianas

O ano de 1828 marcou, antes de tudo, o início de grandes transformações dentro da Vigilância da Pátria. A loja, que durante os anos anteriores seguiu rigorosas regras para o funcionamento de suas sessões, experimentou durante este ano duas realidades quase distintas se compararmos o início e o fim desse mesmo ano. Nos primeiros meses, os membros da Vigilância, sobretudo aqueles pertencentes ao círculo principal, passaram pela fase de maior pressão por parte da Intendência Geral de Polícia, o que obrigou o círculo a levar suas reuniões majoritariamente para cidades diferentes, como visto anteriormente neste capítulo, o que contribuiu para um espalhamento de reuniões pela província do Rio de Janeiro.

Ao mesmo tempo em que as pressões da Intendência se fizeram maiores entre os membros da loja, outro grave problema acompanhou o primeiro semestre daquele ano, a “grave enfermidade” que acometeu Nicolau Vergueiro entre os meses de maio e julho, quando as notícias veiculadas pelo Ástrea e pelo Aurora afirmaram que o deputado esteve em estado grave, ainda que nenhum dos jornais, e nem mesmo as atas da Vigilância, jamais tenham detalhado a doença que o acometeu269.

A combinação destes dois fatores afetaram profundamente o cotidiano da loja, pois não apenas mudanças de locais, dias e horários de reunião se fizeram mais presentes, como a ameaça da morte do venerável da loja significaram uma mudança nas posturas das principais lideranças, como também resultaram numa maior liberdade de atuação dos círculos, uma vez que o crescente de dificuldades de organização das sessões acabaram por permitir maior autonomia aos segundos vigilantes dos círculos, a quem competiam as responsabilidades sobre alterações das sessões270.

Esta crescente autonomia dos segundos vigilantes propondo mudanças em datas e horários de reuniões sem mais necessitar da autorização prévia do venerável ou do primeiro vigilante, não apenas indica uma crescente transformação na organização da Vigilância da Pátria, mas também um certo grau de instabilidade da formatação tradicional existente até então na loja, cujo centro era a figura de Nicolau Vergueiro. O afastamento do venerável desde o final do ano de 1827 e sua ausência em grande parte das reuniões do ano de 1828 acabaram por reformular esse centro da própria loja, sobretudo na cidade do Rio de Janeiro, onde a maior parte dos membros da Vigilância acabavam por passar.

Dado o afastamento de Vergueiro do cotidiano da loja, ainda que ele tenha se mantido informado sobre os assuntos da fraternidade, outras lideranças acabaram por assumir a centralidade da loja, o que não apenas significou uma maior pluralidade de centros, visto que o primeiro vigilante foi favorável a maior autonomia das decisões por parte dos círculos, mesmo que esta autonomia não fosse sinônimo de liberdade plena dos círculos em vista das ações da polícia.

A partir de 1828, os círculos passaram a seguir um rodízio mais livre de irmãos por grupo. Se nos anos anteriores a presença de membros de outros círculos só era permitida em casos excepcionais, em 1828 membros de outros círculos foram permitidos a frequentar um círculo distinto do seu grupo de origem, seja por convite ou trocando de círculo. Esta permissão, concedida a partir de julho de 1828 acabou por proporcionar um rearranjo dos grupos de reunião, resultando no agrupamento de membros por círculo mais próximos em termos de profissão ou posicionamento político.

Assim, a partir deste ano os quatro círculos da cidade do Rio de Janeiro acabaram por assumir um perfil mais específico. O primeiro círculo, o chamado principal, era comandado por Joaquim de Lima e Silva, concentrou em seus rodízios os membros fundadores e deputados, seguindo o rodízio em três grupos como no esquema original. A este círculo, o maior de todos, passaram a serem admitidos como visitantes não apenas maçons de passagem pela cidade e membros de círculos provinciais, como também membros de outros círculos da cidade e que exercessem algum papel de liderança dentro deste.

O segundo círculo, comandado por Antonio José do Amaral, acabou por concentrar os militares (de qualquer patente) filiados à loja, sobretudo aqueles ligados à Academia Militar, onde muitas vezes o círculo se reuniu. Ainda que anteriormente já contasse com uma presença significativa de militares e profissionais liberais, o círculo de José do Amaral a partir desse momento acabou por se constituir majoritariamente de militares e professores da própria academia, sendo o círculo mais “fechado” dentre todos.

O terceiro círculo, chefiado por Manoel de Souza França acabou por se tornar uma fusão do antigo círculo chefiado pelo deputado e pelo capitão Custódio José Dias. A este círculo, além de deputados, pertenciam principalmente os comerciantes, funcionários públicos e demais professionais liberais, sendo este, junto ao círculo principal, o círculo mais plural em termos de origens profissionais da Vigilância.

O último círculo da cidade permaneceu sendo chefiado por Epifânio Pedroso e acabou não apenas por concentrar os membros mais jovens da loja, como também acabou por se tornar uma espécie de concentração dos ditos mais “radicais” em termos políticos, o que sempre despertou mais atenção do círculo principal. O grupo de Epifânio, além de colecionar reprimendas sobre a conduta de seus membros nas atas, era também o círculo mais visitado pelos demais, visto que suas reuniões eram “por vezes muito mais interessantes e seu grupo deveras dinâmico em suas condutas, ainda que profundamente ciosos de suas obrigações maçônicas” 271.

Esta conformação dos círculos, de maneira muito mais estável em termos de funcionamento, só se torna de fato possível a partir do final de agosto de 1828, quando não apenas as diligências da Intendência parecem ter diminuído272, o que permite um respiro maior às atividades dos irmãos, como também o círculo principal entende que a experiência de estabilidades dos círculos da cidade acabaram por conformar formulações e dinâmicas próprias a cada um deles, fornecendo não apenas maior adesão entre os irmãos de cada um dos círculos, como também acabaram por fornecer identidade a cada um deles, os aproximando em termos de cotidiano às práticas tradicionais de uma loja maçônica própria.

Em conjunto às transformações internas da loja, as mudanças no ambiente político do país também ecoaram nos interiores dos círculos, sobretudo pelas eleições gerais daquele ano. As eleições de 1828 podem ser facilmente identificadas como o maior processo eleitoral brasileiro do século XIX, dado o número de pessoas eleitas para os mais diferentes cargos pelo país, uma vez que não apenas elegeram-se os deputados para a segunda legislatura a ser iniciada em 1830, mas também para algumas cadeiras no Senado, além de câmaras municipais, juízes de paz e conselhos provinciais.

O primeiro impactado por estas eleições é o próprio Nicolau Vergueiro, eleito senador pela província de Minas Gerais. Vergueiro, que já havia constado na primeira lista para o Senado em 1825 pela província de São Paulo, acabou sendo escolhido em lista tríplice em maio de 1828, tomando posse em junho do mesmo ano, sendo o primeiro dos opositores de Pedro I a tomar acento na câmara alta, o que foi celebrado pelos membros da Vigilância como força de Vergueiro e da própria oposição.

A segunda eleição a impactar diretamente nos cotidianos da Vigilância envolveu as escolhas para juízes de paz, sobretudo nas freguesias da cidade do Rio de Janeiro, em especial a do Santíssimo Sacramento. Uma vez que o major da guarda desta freguesia era o andador da corte, José Joaquim Vieira Souto, a eleição de um juiz de paz ligado à loja era essencial para a proteção dos irmãos. A eleição de Saturnino de Souza e Oliveira, tenente coronel do mesmo batalhão para o cargo é fundamental para os anos subsequentes da loja, pois ao contar com a proteção do juiz de paz da freguesia e do chefe da guarda, os círculos da Vigilância na cidade do Rio de Janeiro passam, a partir de 1828, a fixar seus locais de reunião na mencionada freguesia, o que viria a acelerar o processo de estabilização das atividades maçônicas na corte.

Se as eleições de juízes de paz e do Senado tiveram impacto direto na vida da loja, as demais eleições do mesmo ano foram responsáveis por aumentar a presença de membros da Vigilância nas muitas instâncias políticas pelo país, sobretudo na ampliação do número de deputados eleitos ligados à fraternidade. Como visto anteriormente, o número de deputados filiados à Vigilância da Pátria para a segunda legislatura, eleita em 1828 e iniciada em 1830, era significativamente superior ao número de deputados da legislatura de 1826.

Além disso, os deputados de 1826 ainda que filiados à loja entre junho de 1825 e abril de 1826, foram eleitos em sua ampla maioria antes da fundação da loja, o que implica em uma identificação maçônica posterior ao processo eleitoral. Diferente desta primeira legislatura, os deputados eleitos em 1828 já eram membros da loja, filiados ou mesmo iniciados nesta, o que torna a identificação de um elemento a mais no processo de eleição destes parlamentares. As atas da loja não informam sobre alguma atuação direta dos membros da loja para as eleições, ainda que na ata de 14 de agosto de 1828 Nicolau Vergueiro tenha saudado os deputados eleitos presentes na sessão da loja e estendendo seus cumprimentos aos demais, exortando os respectivos deputados a continuarem o trabalho dos irmãos da primeira legislatura e se prepararem para “a missão que se impõem aos trabalhos do parlamento para o fortalecimento do país”.

Portanto, ainda que os membros da Vigilância não tenham elaborado uma “campanha” para as eleições, há uma presença significativa nas listas de eleitos para os muitos cargos políticos, numa confluência entre perfis de eleitos e membros da loja, uma vez que tais perfis possam ser entendidos como uma formação comum de uma elite política no país.

O fim do ano de 1828, ou ao menos em outubro do mesmo ano, data em que se encerra o livro de atas da Vigilância, podemos observar o início de uma mudança de cenário político no país e no próprio comportamento da loja273.

Além das eleições do ano de 1828, também é significativo uma mudança do cenário político do país com o encerramento da Guerra da Cisplatina, representando um golpe para o governo pedrino. A perda da província e o reconhecimento do Uruguai como país independente, além da morte da imperatriz Leopoldina, contribuíram para o agravamento da crise política, que passou a ser questionado de forma mais dura pelos opositores, sobretudo pelo grupo ligado ao senador Vergueiro, que embora transferido de casa legislativa, permaneceu como um articulador político entre os opositores.

Por fim, o ano de 1828 é o início do processo de estabilização e publicização das atividades maçônicas na cidade do Rio de Janeiro. Se no princípio do ano foi importante para a estabilização do perfil dos círculos da Vigilância, que passaram a se organizar de forma mais semelhante às lojas tradicionais da maçonaria, a eleição do meio do ano, sobretudo a dos juízes de paz, contribuíram para que os círculos deixassem paulatinamente um modelo de loja volante, sem localidade fixa, e adotassem um modelo mais estável de locais de reunião, graças ao funcionamento de uma rede de proteção destes círculos na Freguesia do Santíssimo Sacramento274.

Esta freguesia, a mais populosa da cidade, como vimos elegeu um juiz de paz militar ligado à Vigilância, que numa combinação de fatores com o comando da guarda da freguesia por um outro membro da loja, acabou por criar um ambiente favorável para as atividades dos irmãos, uma vez que as denúncias sobre as ações maçônicas seriam ignoradas pelo juiz ou ações mais efetivas de repressão para flagrantes ou fechamentos de reuniões275.

Assim, esse ano pode ser compreendido como um ponto de virada dos trabalhos da Vigilância da Pátria. Entre sua fundação em junho de 1825 até a metade de 1828, a Vigilância seguiu uma organização restritiva em suas reuniões, elaborando, com base nas tradições maçônicas de várias localidades, uma formatação muito particular para o funcionamento das reuniões da loja, ampliando significativamente seus quadros ao longo deste período. A partir da metade de 1828, com as mudanças na situação política nacional e no próprio entendimento da loja sobre sua organização, a Vigilância da Pátria passou por mudanças paulatinas, até que a situação política de 1829 acabou por dar uma nova forma aos trabalhos maçônicos, iniciando uma nova fase para a fraternidade, originando as bases da organização da maçonaria brasileira das décadas posteriores.

Continua…

Autora: Pilar Ferrer Gomez

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em História – 2022.

Link: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-06102022-120353/en.php

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Notas

253 Sobre as vinculações dos maçons em suas lojas de iniciação ou filiação ver JONES, op. cit., pp. 262- 265.

254 Não há indicação do secretário sobre esta omissão é proposital ou não, mas não há nenhuma indicação dos locais originais de iniciação de qualquer um dos filiados da Vigilância ao longo dos anos da loja.

255 Os locais de formação profissionais de todos os membros da Vigilância da Pátria identificados nas atas estão indicados no Anexo II desta dissertação, onde estão as biografias destes membros da loja e as informações da vida destes homens e suas atividades dentro da loja, assim como informações posteriores conhecidas dentro da maçonaria brasileira.

256 BARATA, op. cit., p. 159.

257 Entre os militares recém-formados na Academia iniciados na Vigilância da Pátria, merecem destaque os irmãos Cristiano e Teófilo Ottoni, que alcançaram destaque em seu círculo.

258 LAVG, Sessão de 17 de fevereiro de 1827 (17/12/5826).

259 LAGV, Sessão de 12 de abril de 1826 (12/2/5826).

260 O livro de atas da Vigilância ficou durante todo seu período de clandestinidade em posse de seu único secretário, João Machado Nunes, oficial da contadoria da Intendência geral de Polícia. Essa informação consta na sessão de 23 de agosto de 1828, quando o secretário foi elogiado pelo resguardo das atas da loja. LAVG, Sessão de 23 de agosto de 1828 (23/6/5828).

261 José Rodrigues Torres provavelmente foi iniciado durante seus estudos em Portugal, onde se formou em matemática. Após sua filiação, Rodrigues Torres retornou por mais um período para Portugal, retornando por fim ao Brasil em 1827, quando novamente voltou a frequentar a loja.

262 A presença de Domingos Muniz Barreto em sessão do círculo de Salvador levantou questionamentos, já que ao menos no Rio de Janeiro maçons notórios como ele não poderiam frequentar os círculos. Sua presença em Salvador foi discutida e o círculo advertido sobre a não presença de outros maçons notórios na cidade, pois isso poderia facilitar a identificação de seus membros. LAVG, Sessão de 25 de outubro de 1827 (25/8/5827).

263 MELO, op. cit., p. 17.

264 Em várias sessões ao longo dos anos há registros de indicações de leituras disponibilizadas por Epifânio, com destaque para obras de filosofia como Hobbes, Voltaire, Smith, Rousseau e outros. Ver Livro de Atas da loja Vigilância da Pátria.

265 As datas de iniciação dos deputados e seus “padrinhos” na apresentação das candidaturas constam nas biografias dos mesmos no Anexo II.

266 A Tipografia da Ástrea era ponto de encontro fácil de Vieira Souto para a transmissão de informações como andador, assim como o quartel da cavalaria da freguesia do Santíssimo Sacramento, onde Vieira Souto atuava como capitão e depois major. LAVG, Sessões de 23 de maio de 1826 e 12 de setembro de 1827 (23/3/5826 e 12/7/5827)

267 Evaristo frequentava o círculo jovem, atuando algumas vezes como secretário do círculo. LAVG, Sessão de 14 de abril de 1827 (14/2/5827).

268 Sessão inaugural da Loja Vigilância da Pátria. LAVG, Sessão de 24 de junho de 1825 (24/4/5825).

269 Entre março e junho de 1828, tanto a Ástrea quanto a Aurora repassaram informações sobre o estado de saúde de Nicolau Vergueiro, ainda que nenhum deles informe qual a doença de Vergueiro, chegando a noticiar que no dia 18 de maio daquele ano Vergueiro chegou a ser desenganado pelos médicos, mas se recuperando ao longo do tempo.

270 Na sessão de 12 de agosto de 1828, o secretário informa que dadas as dificuldades encontradas para a manutenção das atividades dos círculos, as regras para transferência de sessão pelos vigilantes dos círculos haviam sido relaxadas desde abril do mesmo ano, o que acabou facilitando a organização dos mesmos, por isso a regra seria mantida dali em diante. LAVG, Sessão de 12 de agosto de 1828 (12/6/5828).

271 LAVG, Sessão de 06 de maio de 1828 (06/3/5828).

272 LAVG, Sessão de 30 de outubro de 1828 (30/8/5828).

273 A última sessão registrada no livro de atas da Vigilância da Pátria tem data de 30 de outubro de 1828, sendo esta uma sessão do círculo principal, como todos os fundadores presentes na sessão. As demais sessões provavelmente estão registradas em outro volume, não localizado nos arquivos até a elaboração deste trabalho. LAVG, Sessão de 30 de outubro de 1828 (20/8/5828).

274 LAVG, Sessão de 17 de setembro de 1828 (17/7/5828)

275 CHAN, Isa. op. cit., p. 75.

A “Vigilância da Pátria” – A ação da maçonaria brasileira durante a década proibida (1822-1831) – Parte VII

2.2 – O cotidiano da expansão da loja (1825 – 1828)

A Vigilância da Pátria experimentou uma rápida expansão de seus quadros, sobretudo em seus dois primeiros anos de existência, o que levou os irmãos a ampliarem os sistemas de rodízios estabelecidos anteriormente.

A forma desse rodízio e a composição dos círculos permaneceu semelhante as normas definidas em 1825 pelos membros do círculo principal, embora a medida em que o número de irmãos se ampliava, a necessidade da criação de novos círculos também se fazia presente. Aos andadores e aos segundos vigilantes, cabiam a organização destes novos círculos de forma mais organizada, além de garantir a integração desses com o círculo principal.

Esta espécie de pulverização dos trabalhos da loja em círculos menores é talvez a maior de todas as particularidades da Vigilância da Pátria. A partir da criação do primeiro círculo, fora o corpo do principal, por mais que este grupo se portasse como uma loja específica com seus cargos e ritos definidos, o círculo era ao mesmo tempo uma parte da loja Vigilância, constituindo-se em uma loja composta de muitas outras lojas.

Em sua primeira sessão oficial, em 24 de junho de 1825, Nicolau Vergueiro em seu discurso inaugural alertava aos membros ali reunidos das particularidades e, muitas vezes, restrições e pressões a que esses maçons estariam sujeitos, pois desafiavam uma lei para proteger a maçonaria. Tal situação requeria “um exercício de silencio e discrição por parte daqueles que desejavam a preservação da maçonaria no Brasil e sua atuação, para que se tornem os vigilantes que a pátria exige.”229

Em suma, com a ampliação do número de membros durante os dois primeiros anos de existência da loja, os dirigentes distribuíram os membros em grupos de ao menos vinte membros, que não necessariamente deveriam frequentar sempre as mesmas reuniões. A decisão sobre quais as reuniões que cada irmão deveria frequentar deveria levar em consideração o local de reunião, a disponibilidade do maçom naquele período e quais outros membros da loja estariam na reunião em específico.

Todas essas restrições estavam relacionadas aos problemas enfrentados pelos maçons em encontrar um local cujas reuniões não despertassem maiores atenções, já que a composição dos membros poderia servir de indicativo das atividades. Isso significou que nos dois primeiros anos da loja, as reuniões aconteciam principalmente nas casas de algum membro daquele círculo específico. Estas eram disfarçadas de reuniões sociais ou de alguma outra associação a que pertencesse algum membro, incluindo irmandades religiosas.

Com o passar do tempo, os grupos de reunião se tornaram mais ou menos fixos, com alguma variação entre si, mas mantendo um núcleo central único, que deveria preparar o local de reunião em conjunto com o primeiro vigilante. Tais locais não precisavam seguir rigidamente os padrões dos salões cerimoniais dos ritos maçônicos, ainda que contivesse algum elemento improvisado pelos irmãos.

As reuniões do círculo principal variavam em dias da semana, de forma a não estabelecer um padrão identificável pelas autoridades, algumas vezes até mesmo não havendo qualquer padrão de alternância entre as sessões registradas. Apesar de variar os dias da semana, estas que aconteciam quinzenalmente no início, após a expansão do quadro de membros passaram a ser realizadas semanalmente, revezando os locais e o círculo de membros em cada sessão230. Os membros de cada núcleo desenvolveram formas diferentes de despistar as autoridades ou de suspensão dos trabalhos caso necessário231.

Da mesma forma, cada um dos círculos estabeleceu a mesma frequência de reuniões quinzenais, se assim o fosse possível. Mas ainda que formalmente as reuniões fossem estabelecidas desta forma, muitas vezes os círculos não conseguiam seguir esta rotina, sendo raras as vezes em que estabeleceram reuniões semanais para todos os círculos, sendo mais comum realizá-las quando as oportunidades fossem propícias.

Entre junho de 1825 e agosto de 1826 as reuniões seguiram uma frequência mais organizada, na qual os núcleos conseguiram se reunir ao menos quinzenalmente, muitas vezes até semanalmente. Entretanto, a medida em que a loja começou a ampliar seus membros, a regularidade das reuniões se tornou mais frequente.

Caso fossem detectados, os círculos alteravam as sequências das reuniões, de forma a evitar nova ocorrência. Tal situação muitas vezes fez com que determinados grupos de maçons ficassem longos períodos sem frequentar alguma sessão, uma vez que sua presença despertava desconfiança. O próprio Vergueiro não pode participar por um longo período das sessões da loja232, uma vez que sua presença gerava a desconfiança da Intendência, levando as sessões a serem presididas pelo primeiro vigilante, o tenente-coronel José Joaquim de Lima e Silva. O próprio revezamento entre Vergueiro e Lima e Silva na presidência das sessões necessitava estar em acordo às mudanças das sessões, assim como os andadores deveriam estar em alerta sobre tais situações.

Conforme dito anteriormente, havia uma espécie de núcleo central da loja, formado pelo círculo original, chamado de círculo principal ou círculo diretor. Esta sessão era composta majoritariamente por membros fundadores e por deputados, além dos andadores. Esta era, sem dúvidas, a sessão mais visada pelos membros da Intendência, e que necessitava de maior cuidado para acontecer. Normalmente ocorriam na residência do próprio Vergueiro ou de algum outro membro em caso de necessidade e aconteciam ao menos uma vez ao mês, ainda que houvesse períodos de maior intervalo.

É este núcleo duro do círculo principal que necessitava migrar em caso de perseguição. Nos períodos em que este se ausentou da cidade do Rio de Janeiro, as sessões dos demais núcleos foram suspensas como forma de proteção a todo o quadro de membros da loja. Tais migrações ocorreram principalmente entre os anos de 1827 e 1828, quando diversas sessões aparentavam terem sido detectadas, levando o núcleo principal a se refugiar em diversas outras localidades. O reduto mais comum era Niterói, cidade próxima ao Rio de Janeiro, onde diversos membros da Vigilância residiam, como o próprio Lima e Silva233.

Em alguns casos, o núcleo principal deslocou-se para outros núcleos, onde havia atividades maçônicas, como as vilas de Campos e Ilha Grande, além de Paraty, onde a loja se refugiou ao final de 1828, quando a repressão da Intendência se acentuou drasticamente, cercando grande parte das reuniões, levando a suspenção dos trabalhos maçônicos no Rio de Janeiro a partir de outubro daquele ano.

Esta pressão sobre as oficinas pode ser compreendida não apenas em termos da aplicação da lei das Sociedades Secretas, mas principalmente pela preocupação do governo em ver constituída uma rede associativa que escapasse ao controle régio, sendo assim um local de destaque para a articulação de grupos opositores, mesmo que estes não necessariamente estivessem articulados fora da rede de sociabilidade maçônica. Esta rede, que integrava membros de diversos pontos do país criava condições para circulação de ideias, influências e pessoas, além de possibilitar um local de integração destes grupos políticos que poucas vezes teriam oportunidade de coexistência fora dos espaços da Vigilância.

Os laços de fidelidade maçônicos eram importantes para estes homens, uma vez que garantiam auxílio e proteção entre os irmãos. Esta proteção muitas vezes significou apoios em tempos de perseguição, como em 1822 na defesa dos presos na Bonifácia e mesmo na defesa de soluções mais brandas na formulação da lei das Sociedades Secretas. Tais laços foram utilizados pelos membros da Vigilância a medida em que os processos de fiscalização se acentuaram, pois se faziam necessárias formas de camuflar reuniões e se valer dos auxílios de proteção entre os irmãos.

os membros da Vigilância nem sempre conseguiram manter uma regularidade nas reuniões, o que não os impediu de se articularem de outras formas que não fossem pela reunião oficial, mas mantendo contato entre os irmãos identificados de cada círculo, cujos laços de proteção eram mais significativos. Isso significou o desenvolvimento de uma série de sinais de reconhecimentos e avisos entre os membros, adaptando muitas vezes sinais já existentes na maçonaria.

Os sinais de identificação234 necessitavam ser diferentes em alguns momentos, já que grande parte deles era de conhecimento público, como antigos maçons não admitidos a nova loja por serem vistos como riscos à identificação de novos membros ou por serem identificados como maçons, ou figuras próximas ao governo. Como vimos, a admissão de tais membros era vista como riscos desnecessários aos irmãos, uma vez que antigos membros do Oriente de 1822 seriam mais passíveis de identificação pelas autoridades.

Outro caminho de proteção significativo era do uso de festas e outras reuniões sociais em que se pudesse utilizar dos espaços sem levantar suspeita para que pudessem “ludibriar as autoridades policiais, visto que reunidos às festas ou nas praças públicas não se há como acusar qualquer ação ilegal de nossa parte”235.

Apesar de tais cuidados, os espias da Intendência Geral de polícia por vezes identificaram alguns pontos de reunião, como as da casa de Vergueiro e depois do deputado Holanda Cavalcanti236, o que levava os membros da Vigilância a ampliarem os espaços entre as reuniões, evitando reuniões nos meses de recesso parlamentar, uma vez que a presença de deputados poderiam significar uma maior proteção para a loja, pois muitos dos irmãos viam a presença destes como uma salvaguarda contra as ações da Intendência237.

Os desafios para a manutenção das atividades da loja eram significativos, o que muitas vezes representou até mesmo a desistência de vários iniciados na participação das atividades da loja. Assim, nos anos de maior pressão, havia uma maior inconstância no número de membros, tornando um desafio o mapeamento dos membros ativos da Vigilância da Pátria, cuja variação de presença nos registros é significativa. Tal flutuação é notória a cada ano, uma vez que o secretário, João Machado Nunes apresentava na sessão de 24 de junho de cada ano um balanço sobre a loja, identificando o número de membros da Vigilância, assim como os respectivos 2os vigilante de cada círculo, andadores e demais autoridades da Vigilância.

Assim, segundo os informes do secretário, a Vigilância teria em seu grupo fundador 23 membros, ampliados ao longo dos anos, constando 72 membros em 1826, 140 em 1827 e 132 membros em 1828. Estes números, entretanto, só se referem aos membros da Vigilância dos círculos das cidades do Rio de Janeiro e Niterói, o que nos impossibilita conhecer os dados de todos os círculos, já que as informações sobre estes são mais esparsas ou até mesmo incompletas.

A Vigilância da Pátria mantinha atividades em outras províncias, além de outros locais da própria província do Rio de Janeiro, mas de localização mais distante do centro. Para estes locais, as redes de fiscalização nem sempre eram tão efetivas como na corte, mesmo para aqueles locais cujas lojas anexas funcionavam nas capitais das províncias.

Para estes locais, a frequência das atividades era incerta e muitas vezes esporádicas, assim como para o próprio Rio de Janeiro, embora por motivos diversos do que da fiscalização e repressão da Intendência Geral de Polícia, mas antes por seus quadros de liderança e articulação serem deputados gerais das províncias ou ainda seus respectivos andadores, cuja presença naquela localidade não era contínua. Para estes locais, os períodos de recesso parlamentar correspondiam aos períodos de maior frequência e continuidade das sessões da loja, ainda que estas se dessem a cada 15 dias ou mais, dependendo do local e da época238.

Apesar da aparente normalidade dos trabalhos da Vigilância da Pátria nos mais diversos locais em que esta se encontrava, ocorriam choques ocasionais entre os diversos grupos que compunham a loja. Sobretudo a partir de 1828 e os debates sobre a publicização ou não das atividades dos irmãos da loja, desafiando assim a lei de proibição das Sociedades Secretas e a repressão do próprio governo.

No que se refere a dinâmica interna da loja, a figura do andador era essencial e passou por algumas transformações a partir da expansão dos quadros da Vigilância. No primeiro ano de atividade a loja contava com apenas um andador, quando as atividades ainda estavam localizadas apenas no Rio de Janeiro, não apenas pela pouca amplitude do raio de atuação dos andadores, como também pelo pequeno número dos quadros da loja. A partir de 1826, com a ampliação do número de membros e a diversificação de seus locais de residência, o número de andadores necessitou ser ampliado, sendo estabelecido dois andadores, um para a Corte e outro para as demais localidades.

Esta separação buscava uma forma mais eficiente de divisão do trabalho dos andadores, sobretudo ao andador geral, devido a ampliação de sua área de atuação com o aumento do número de locais cuja presença maçônica se articulava, estendendo as redes maçônicas por todo o país a partir não apenas da retomada das atividades de antigos quadros em vários locais, mas da ampliação do número de iniciados para além da capital.

Se num primeiro momento era necessário poucos andadores, à medida que a loja expandia seus quadros, ampliou-se também a complexidade do trabalho destes andadores, sendo estes não apenas encarregados da transmissão dos comunicados entre os irmãos e a loja, mas também sendo responsáveis, a partir de 1827, por organizar os trabalhos em cada localidade, como uma extensão da loja central em lojas auxiliares, ainda que não fossem organizadas e reconhecidas como lojas separadas. Tal ampliação das atribuições dos andadores se deu pelo aumento significativo do número de irmãos a partir de 1827, levando a presença da loja para todas as regiões do país.

O aumento da complexidade da articulação dos irmãos transformou o número e a organização dos andadores da Vigilância da Pátria.239, resultou na reorganização destes, surgindo no início de 1827 a figura do Grande Andador, uma espécie de “chefe” dos andadores, encarregado da distribuição destes pelas províncias e pela distribuição das ordens240.

Esta ampliação estabeleceu a divisão destes em Grande Andador, Andador da Corte e andadores provinciais. Pinto Colho e Vieira Souto permaneceram em suas funções, sendo nomeados andadores para as províncias Lino Coutinho (Bahia), Candido José de Araújo Vianna (Minas), Francisco de Paula Souza e Mello (São Paulo), João Manoel de Lima e Silva (Rio Grande do Sul), Luiz Manoel de Lima e Silva (Cisplatina), Francisco de Paula Cavalcanti e Albuquerque (Pernambuco), Antonio Pedro da Costa Ferreira (Maranhão e Pará), Caetano Maria Lopes Gama (Goiás e Mato Grosso). Além destes, muitas vezes outros membros, como militares de baixa patente apenas identificados por suas iniciais foram enviados como andadores pontuais, isto é, apenas portadores de correspondências aos vigilantes dos círculos locais, sem outras designações dos cargos241. Cabia aos andadores provinciais a manutenção dos contatos entre os círculos locais e o centro, além de alguma forma de organização nos círculos provinciais242.

A eleição do Grande Andador passou por diversas discussões dentro da loja. Embora tenha sido eleito o coronel José Feliciano Pinto Coelho da Cunha, eleito Andador Geral ainda em 1825, este não era o favorito entre grande parte dos irmãos, que preferiam o capitão José Joaquim Vieira Souto243. Apesar dessa preferência, uma vez que Vieira Souto exercia o cargo de Andador da Corte desde meados de 1826, a nomeação deste como Grande Andador encontrou obstáculos a partir de sua nomeação como capitão do Corpo de Engenheiros e posteriormente como capitão e major da Cavalaria de Guarda da Freguesia do Santíssimo Sacramento, no Rio de Janeiro, visto que ambos os cargos exigiam um maior tempo de permanência na cidade. Por esta razão, Vieira Souto permaneceu como Andador da Corte.

Entretanto, mesmo exercendo uma função primordial para o funcionamento prático da ordem, os andadores não possuíam autonomia de decisão, já que estas eram atribuição apenas de veneráveis e vigilantes. Cabia aos andadores apenas o repasse das informações. Como dito anteriormente, eram fundamentais para a integração dos membros da loja, uma vez que em conjunto com os dirigentes centrais, conheciam a totalidade dos trabalhos e a composição completa dos quadros da loja. Sendo responsáveis pela coesão da Vigilância da Pátria e a representação da unidade dos irmãos como corpo maçônico onde quer que se encontrassem.

Tornando-se uma referência central para parte dos membros, era aos andadores que grande parte dos irmãos recorria em caso de necessidade de proteção ou para transmitir preocupações com os demais. É neste contexto que a escolha de Vieira Souto como andador da corte chama a atenção pela estratégia de comunicação. Como Vieira Souto era editor do jornal “Ástrea”, era comum encontrá-lo na sede do jornal ou na sede do batalhão de cavalaria, ambos localizados na Rua do Sacramento, o que facilitava encontros e comunicações, sem que despertasse suspeita a circulação de diversas pessoas nestes locais.

Da mesma forma que os trabalhos “profanos” de Viera Souto facilitaram as condições para o exercício de sua função de andador, o mesmo ocorre com Coelho da Cunha como Andador Geral e posteriormente para os demais andadores, pois o deslocamento de militares pelo território para diversas funções não causava estranheza ou qualquer questionamento, sobretudo porque os andadores geralmente eram distribuídos conforme sua alocação feita pelo próprio governo.

Para além dos andadores, em casos específicos, como a reorganização dos trabalhos nas províncias, estas eram em grande parte realizadas por grupos de comerciantes ou, muitas vezes, por deputados em retorno as suas províncias de origem durante o período de recesso parlamentar, responsáveis por integrar as práticas dos locais ao centro, unificando os trabalhos em conjunto aos andadores.

Apesar da garantia de integração desta rede de contatos e da busca de construção de uma unidade da maçonaria brasileira para o período, ainda assim há relatos dos andadores de tentativas de formação de novas lojas de forma efêmera em alguns locais do próprio Rio de Janeiro e de algumas províncias como Minas Gerais e Pernambuco que não passassem pela centralidade da Vigilância da Pátria. Tais lojas eram muitas vezes ligadas a grupos governistas, como a tentativa de formação de uma nova loja por José Clemente Pereira no Rio de Janeiro no início de 1827244.

Para além da restrição de comunicação dos membros da loja apenas com os andadores publicamente, ou em caso de urgência com os demais dirigentes se estes estivessem mais próximos, isso não significou um distanciamento entre os irmãos, ao contrário, era entendido pelos maçons da loja como um mecanismo de proteção às suas atividades, uma vez que a comunicação explícita em locais públicos significaria riscos desnecessários. Entretanto, estas recomendações nem sempre eram cumpridas à risca por todos os membros da loja. É comum encontrar alertas aos membros em reunião para que se lembrassem de cumprir tais normas.

Estas condições excepcionais ao momento específico em que a fraternidade vivia, onde o risco de localização das atividades significava não apenas punições pela lei, mas também a supressão total dos trabalhos maçônicos significaria uma perda de espaço de circulação e sociabilidade para estes homens, cientes dos riscos de suas atividades, mas de alguma forma acostumados ao processo de discrição a que a maçonaria se submeteu em boa parte das primeiras décadas do século XIX no Brasil.

Os círculos da Vigilância

Conforme relatado anteriormente, os círculos da Vigilância da Pátria foram expandidos à medida em que os quadros da loja eram ampliados. Se em 1825 o círculo original podia se organizar em dois grandes núcleos de rodízio, conforme a loja ampliava a articulação dos maçons presentes na cidade do Rio de Janeiro, um único círculo se tornou pequeno demais para abrigar os novos membros, já que em 1826 a loja já havia triplicado o número de irmãos.

Por esta razão, ainda no início de 1826 estabelece-se um limite sobre o tamanho de um círculo, que poderia comportar ao máximo 40 membros, a serem divididos no núcleo de rodízio como definido anteriormente pelo círculo principal. A cada vez em que se ampliasse o número de membros no limite, devia-se iniciar um novo círculo, que deveria seguir a uma norma de nucleação por tipo de atividade ou proximidade de atividades políticas, no caso dos deputados245.

Tal condição de nucleação por atividade próxima levava em consideração a ideia de que grupos similares em atividades e afinidades teriam menores problemas em levantar suspeitas para si por parte das autoridades, sobretudo da Intendência de Polícia, já que não seria de todo estranho que grupos de homens com profissões ou atuações semelhantes se reunissem de tempos em tempos.

Sendo assim, os círculos da Vigilância deveriam seguir as regras de circulação de membros e locais de reunião conforme definidas em 1825 para o núcleo central, ao mesmo tempo em que se organizavam de forma distinta do círculo principal. Os círculos gerais não possuíam venerável ou 1º vigilante próprios, sendo ambos os cargos existentes apenas para a loja como um todo. Cada círculo era chefiado por um 2º vigilante, designado pelo venerável geral, assim como um secretário. As demais funções da loja eram exercidas conforme os membros presentes, seguindo apenas critérios de antiguidade entre os membros do círculo.

Tais características dos novos círculos acabaram por tornar suas informações nas atas da Vigilância muito mais esparsas em comparação com os detalhes referentes às reuniões do círculo principal. Uma vez que aos novos círculos não era permitido manterem um livro de atas próprio, dados os riscos. Assim, os irmãos que exercessem a função de secretário em determinada sessão deveriam repassar ao secretário geral por meio do andador, as informações sobre as reuniões ocorridas, o que acabou resultando geralmente em apenas registros sobre as datas de reunião e alguma intercorrência específica em um círculo, provavelmente pelas próprias dificuldades do repasse de informações para as atas246.

As estratégias de circulação e de funcionamento dos muitos círculos, embora trouxessem suas raízes nas tradições maçônicas de diversas localidades, receberam traços particulares resultantes das peculiaridades da situação em que a Vigilância da Pátria se encontrava, frente aos desafios de manter em funcionamento suas atividades. Dentre as particularidades resultantes desta realidade específica está a não alternância dos quadros de liderança da loja durante os anos de clandestinidade, sobretudo os postos de venerável mestre e de primeiro vigilante.

Essas particularidades das composições da Vigilância estabeleceram características próprias da articulação dos membros da loja, cuja busca por formas de manutenção do funcionamento dos trabalhos maçônicos pelo país formou um quadro de membros, que embora disperso, com diferentes padrões de frequência nas sessões e pelo não conhecimento pleno de todos os irmãos, ainda assim construiu uma coesão entre os membros da loja. Utilizando-se inclusive de códigos de identificação maçônica, que permitia a coesão de ações a partir da articulação de seus membros na vida pública à partir das ações de seu quadro central.

Para se tornar membro da loja, qualquer homem deveria seguir a uma ordem de vinculação. Todo candidato a membro da Vigilância, fosse maçom iniciado anteriormente ou candidato à iniciação deveria ter sua vinculação apresentada por algum membro da loja, qualquer que fosse o círculo. Se fosse aprovada sua filiação, este novo membro era apenas informado ao círculo principal e designado a um círculo específico, normalmente o mesmo da candidatura. Diferente da vinculação dos membros à loja, a adesão de outros locais fora da cidade do Rio de Janeiro passaria pela solicitação do núcleo candidato em pertencer à loja. Para tal, um representante local já membro da Vigilância deveria se apresentar à reunião do núcleo central, transmitindo as vontades expressas por todos os membros do determinado local que solicitava tal filiação.

Esta preocupação atendia a dois pressupostos, o de controle efetivo sobre cada filiação, com as garantias da manutenção da discrição e segredo necessários ao momento de clandestinidade total da loja, assim como a da ampliação dos quadros por todo o território pela vontade da localidade e não de uma imposição a partir do centro. Por esta razão, a Vigilância não enviava representantes antes do contato com os quadros locais, mas antes estes faziam a solicitação por meio de um representante já vinculado à loja. Estes emissários eram principalmente os militares com fluxo entre o Rio de Janeiro e determinada província ou mesmo deputados representantes da mesma província.

Ademias, tal preocupação pode ser entendida não apenas como visando a garantir o segredo necessário às atividades da maçonaria, mas principalmente pela busca da construção de uma centralidade maçônica que de fato fosse nacional. Ou seja, não mais uma unidade construída pelo próprio centro, como ocorrera nas tentativas anteriores de formação de orientes nacionais, mas pela adesão dos diversos locais a uma nucleação central, que não necessariamente deveria se restringir ao Rio de Janeiro.

A ampliação das atividades da Vigilância da Pátria seguia uma pretensão federativa, que garantia as autonomias locais ainda que vinculadas a um centro. Esta autonomia se devia muito mais as necessidades do momento do que a um projeto específico de federação. A necessidade de discrição dos quadros das diversas localidades onde a presença maçônica se efetivasse impunha um forte grau de autonomia para as localidades mais distantes do centro, que enviavam informes ao núcleo central por meio de seus andadores, responsáveis pela articulação entre centro e local.

Diferente das tentativas anteriores de construção de uma potência geral que se articulou a partir das vontades de um núcleo específico e das tentativas de imposição de filiação das demais localidades por tentativas de atração dessas localidades por meio de emissários, a Vigilância da Pátria buscou se articular por outros meios aos locais mais distantes do Rio de Janeiro.

A própria construção de um núcleo central que congregasse membros oriundos de diversas localidades e tradições maçônicas diversas, reunindo assim uma maior representatividade das expressões da própria fraternidade. Ao se constituir desta maneira, a Vigilância pareceu menos hostil às particularidades regionais, as quais poderiam ser congregadas de forma mais representativa em seus interesses e de formações distintas, ainda que o centro especificasse regulamentos gerais para o funcionamento de ritos e reuniões como forma de manutenção da discrição necessária.

Ao se articular desta forma, a Vigilância da Pátria se constituiu como a primeira representação nacional da maçonaria no Brasil com maior longevidade, congregando em seus quadros não apenas membros dos mais diversos locais do Império, mas principalmente foi formada por grupos políticos diversos, ainda que unidos pela conjuntura de oposição ao governo pedrino. Ao se organizar de forma realmente nacional, a Vigilância pode construir uma maçonaria nacional, ainda que de forma limitada dada a conjuntura política da época. Ao expandir seus quadros de andadores, que atuavam em conjunto aos deputados de cada província, a loja, sobretudo em seu núcleo central, construiu um quadro de pertença mais amplo que qualquer tentativa anterior de nucleação da maçonaria brasileira, fosse esta organização a partir do modelo de Grande Oriente quanto do modelo de Grande Loja.

A formação da Vigilância como uma representação efetivamente nacional, respeitando as particularidades de cada local ao mesmo tempo em que articulou estas localidades a um centro comum, era não apenas uma novidade para a maçonaria brasileira, mas sobretudo resultado dos esforços de seus quadros em congregar as pluralidades das realidades da ordem pelos mais diversos locais onde a fraternidade se encontrasse. Assim, ao articular antigas tradições, em conjunto a novas respostas nascidas à época, resultando em uma formação inédita para a maçonaria brasileira, que garantiu sua sobrevivência na clandestinidade até a publicização de suas ações a partir do rompimento institucional dos grupos oposicionistas ao governo central do Império.

A própria Vigilância passou por metamorfoses em sua construção. Se em 1825 ela se preocupava em reunir os maçons da cidade do Rio de Janeiro ligados aos grupos oposicionistas ao Imperador, a partir de 1826 com a ampliação de seus quadros iniciais para outros locais distintos, a loja precisou se adequar e se redesenhar segundo esta nova realidade. Tal ampliação de quadros resultou em uma formação muito específica à Vigilância dentro da própria história da maçonaria brasileira, a de, a despeito de sua própria existência em diversos locais dispersos, ainda sim todas essas oficinas se configuravam como uma única loja nacional, obedecendo as mesmas regras e tendo as mesmas lideranças.

Desta forma, podemos entender a organização da Vigilância em dois grandes centros, o Rio de Janeiro e arredores, onde se concentravam os principais círculos da loja e os círculos provinciais.

A medida em que os círculos se deslocavam dento da cidade ou pelas províncias, a Vigilância ampliava paulatinamente seu raio de atuação, o que pode ser notado pelo próprio grau de ampliação dos quadros da loja. Em 1825 a loja pouco circulou pela própria cidade, uma vez que ainda se discutiam as próprias formas de organização e as formas de rodízio de seus membros. Por isso, no balanço do primeiro ano de existência da Vigilância há apenas dois círculos na cidade, o principal e o chefiado por Antonio do Amaral.

A partir de 1826, com o início do funcionamento da primeira legislatura da Câmara, o número de membros da loja é rapidamente ampliado, dada a presença dos deputados na cidade e de uma maior circulação na capital. É a partir deste ano que pouco a pouco o número de círculos é ampliado, até o início de 1827, quando não apenas surgem mais dois círculos na capital, mas começam os primeiros círculos provinciais, conforme o fim do ano legislativo e o retorno dos deputados às suas localidades, atraindo os maçons iniciados em suas províncias, conforme as notícias se espalhavam, segundo o relato do deputado Lino Coutinho247.

Assim, esta ampliação de membros e círculos da Vigilância se iniciou pela adesão de antigos maçons espalhados pelas várias localidades, ainda que limitadas as vinculações daqueles que poderiam ser identificados como maçons pela Intendência, atingindo assim o grupo de membros conhecidos por serem integrantes do Oriente de 1822.

Em 1828, quando o Secretário apresentava seu balanço anual, Machado Nunes enumerou a composição da Vigilância da Pátria em cinco círculos na corte, três na província do Rio de Janeiro, além de círculos nas províncias de São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Cisplatina, Bahia, Goiás, Maranhão e Pará. Todos estes círculos eram ao mesmo tempo organizações próprias e uma única loja, o que conferia uma característica singular da Vigilância da Pátria.

Os cinco círculos da cidade do Rio de Janeiro, eram chefiados por seus respectivos vigilantes. O primeiro deles era o círculo central, cujo vigilante era José Joaquim de Lima e Silva, o 1º vigilante geral da loja, podendo ser auxiliado ou não pelos respectivos 2os vigilantes do círculo, Epifânio José Pedroso e Antonio Pedro da Costa Ferreira. Os outros quatro círculos da cidade eram chefiados por Antonio José do Amaral, Custódio José Dias, Manoel José de Souza França e Epifânio Maria Pedroso. Esses quatro primeiros círculos eram chamados de círculos velhos, não apenas pelo tempo de formação, mas também pela média de idades de seus membros, entre 36 e 40 anos de idade, enquanto o chefiado por Epifânio tinha uma média de idade de 26 anos.

O círculo de Epifânio além de jovem, era também o recordista de anotações sobre os alertas de comportamento de seus membros. Aparecem alertas sobre reuniões em praias, repreensões sobre comportamento público e até mesmo, em 23 de setembro de 1828, uma anotação sobre uma reunião em alguma praça pública, o que gerou uma advertência que poderia levar a suspensão dos trabalhos do círculo248. Este círculo, considerado por Vergueiro como o mais volátil, e até mesmo um pouco radical, era o círculo que mais vezes recebeu visitas dos membros do núcleo central, mesmo que seu vigilante fosse um dos fundadores da loja249.

Diferente dos círculos da corte, os círculos das demais localidades possuem poucas anotações no livro de atas. Dadas as dificuldades de circulação dos informes, os poucos registros são aqueles informados pelos andadores sobre processos de filiação ou nos balanços anuais do secretário. Mesmo que formalmente as filiações devessem ser informadas ao círculo principal, quando referentes aos círculos principais, dificilmente trazem os nomes dos filiados, normalmente apenas os números de filiados em determinado espaço de tempo e o informe de anuência dos membros dos círculos provinciais.

A maioria das vigilâncias dos círculos eram exercidas ou por seus andadores ou por algum residente local. Como uma grande parte das informações não eram registradas nas atas, sua ausência não pode ser entendida como uma falta de interesse por parte do círculo central ou uma falta de controle sobre os fatos das províncias, mas um reflexo das imensas dificuldades de circulação destas informações.

Em diversas oportunidades Vergueiro ou Lima e Silva apontaram as dificuldades de registro das informações sobre os irmãos que estivessem fora da cidade do Rio de Janeiro, dados os riscos destas informações serem interceptadas. Informações como a circulação do círculo paulista entre as cidades de Sorocaba e Itu, além de um possível novo círculo em São Paulo em 1827 só são registradas em abril de 1827 por relato do próprio Vergueiro, que havia visitado o círculo dias antes e nomeado o novo vigilante do círculo, Raphael Tobias de Aguiar250.

Em maio de 1828, no balanço anual da loja, constam como círculos atuantes nas províncias: São Paulo, chefiado por Tobias de Aguiar e Pernambuco, chefiado por Francisco Cavalcanti e Albuquerque e seu irmão Pedro, enquanto Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pará, Maranhão, Cisplatina, Mato Grosso e Bahia são identificadas como chefiados por seus respectivos andadores e um vigilante local, mas nenhum deles estava identificado251. Os três círculos da província do Rio de Janeiro se localizavam na vila de Campos, na Ilha Grande e em Paraty, cuja chefia pertencia ao Grande Andador, José Feliciano Pinto Coelho da Cunha e outros dirigentes locais.

São estas particularidades da Vigilância da Pátria que a tornam não apenas uma experiência singular para a maçonaria brasileira, como a garantia da sobrevida da fraternidade durante todo o período da clandestinidade. Isso permitiu não apenas a continuidade dos trabalhos maçônicos e a sobrevivência das tradições destes no Brasil, como criou novas condições para a ampliação dos membros da ordem no território, expandindo significativamente sua atuação pelo país e mantendo sua coesão até a ruptura definitiva do processo de saída da clandestinidade e a ascensão da maçonaria como instituição pública nacional.

Mas, ainda que todas as circulações e normas de rodízios fossem cumpridas, é notória a pressão sofrida por parte de alguns círculos do Rio de Janeiro em relação à possíveis fiscalizações por parte da Intendência Geral de Polícia. O alerta mais comum durante os anos de clandestinidade é referente à presença de “spias”, ou mesmo normas de conduta para chegar às reuniões, como forma de proteção, uma vez que por mais que as lideranças da loja pressionassem sobre estas medidas de segurança, os irmãos nem sempre eram tão discretos como desejavam seus dirigentes, como no caso anteriormente mencionado sobre o círculo jovem.

Estes alertas sobre os espias em grande parte eram dados por João Machado Nunes, que possivelmente possuía alguma informação mais efetiva sobre as ações da Intendência, uma vez que Nunes era o oficial da Contadoria da Intendência. Seu posto permitiu muitas vezes a suspensão de uma reunião visada em determinado período ou mudanças de local no próprio dia da reunião. Vieira Souto e Pinto Coelho reconhecem a atuação de Machado Nunes em prevenir ações da intendência entre 1827 e 1828 nos Relatórios de circulação da Vigilância, documento avulso localizado no interior do livro de atas da loja252.

Niterói era um ponto frequente das reuniões, chegando até mesmo a sediar reuniões mesmo quando o círculo principal não estava em seu deslocamento de perseguição, uma vez que alguns de seus membros residiam na cidade. O deslocamento para Niterói representava um local de fácil acesso aos membros da loja, ao mesmo tempo que embora próxima a corte, escapava de um controle mais significativo dos organismos fiscalizadores como a própria Intendência, uma vez que a cidade já estava fora de seu raio de atuação principal.

O crescimento da Vigilância da Pátria entre 1825 e 1828 pode ser acompanhado como uma ampliação da própria articulação dos maçons pelo país, construindo não apenas formas inéditas de construção da própria sociabilidade da fraternidade pelo país, mas criando as bases para a consolidação da maçonaria brasileiro nos anos subsequentes.

Continua…

Autora: Pilar Ferrer Gomez

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em História – 2022.

Link: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-06102022-120353/en.php

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Notas

229 Sessão inaugural da loja Vigilância da Pátria em 24 de junho de 1825. LAVG, Sessão de 24 de junho de 1825 (24/4/5825).

230 Ver sessões de julho a outubro de 1825 e março de 1826. Livro de Atas da Loja Vigilância da Pátria.

231 Cada núcleo de reunião desenvolveu seus próprios códigos, apenas informados, mas não detalhados nas atas da loja. Ver Livro de Atas da Loja Vigilância da Pátria.

232 Nicolau Vergueiro se ausenta com maior frequência nas reuniões do ano de 1827, ainda que apresente lacunas em outras fases, como o ano de 1828, quando Vergueiro esteve doente.

233 Parte significativa das reuniões de 1828 aconteceram na residência de Lima e Silva ou de seus irmãos quando se encontravam no Rio de Janeiro e arredores. Ver Livro de Atas da Loja Vigilância da Pátria.

234 Faz parte da tradição maçônica a identificação dos irmãos por gestos, que variam conforme o grau maçônico ao qual pertença o iniciado. A Vigilância muitas vezes modificou ou simplificou os gestos, sendo recomendados pelos Andadores apenas os apertos de mão. LAVG, Sessão de 13 de agosto de 1826 (13/6/5826).

235 LAVG, Sessão de 14 de abril de 1826 (14/2/5826).

236 Ao menos 5 sessões constam nas atas como suspensas por possível identificação, sendo estas em 21 de setembro, 30 de outubro (na casa de Vergueiro) e 19 de dezembro de 1826, além de 14 de março e 23 de abril de 1827 (na casa de Holanda Cavalcanti).

237 Declaração de Joaquim José Vieira Souto em sessão de 12 de fevereiro de 1827 (12/12/5826).

238 Informe do 2º Vigilante da cidade de Salvador e província da Bahia, Deputado Lino Coutinho, em sessão de 20 de maio de 1827. LAVG, Sessão de 20 de maio de 1827 (20/3/5827).

239 José Joaquim foi eleito andador da corte, enquanto José Feliciano Pinto Coelho da Cunha permaneceu como andador para as demais localidades. LAVG, Sessão de 14 de agosto de 1826 (14/6/5826).

240 LAVG, Sessão de 09 de abril de 1827 (09/2/5827).

241Relatório de circulação dos anos de 1827-1828 e prestação de contas aos irmãos da Loja “Vigilância da Pátria”, documento avulso.

242 Orientação aos irmãos andadores, sem data, documento avulso.

243 Na sessão inicial, Pinto Coelho foi eleito com 14 votos, contra 9 de Vieira Souto.

244 A criação de uma loja pelo próprio imperador Pedro I ou pela liderança de José Clemente Pedreira é uma constante na memória maçônica, ainda que seu referencial original se encontre apenas em MENEZES, op. cit., p. 59. Os irmãos da Vigilância da Pátria desconfiavam, ainda que não pudessem afirmar a existência desta loja, identificada por alguns deles como o núcleo primordial da Sociedade das Colunas do Trono e do Altar. Tal aceno sobre a loja de Clemente Pereira aparece na Sessão de 20 de outubro de 1827. LAVG, Sessão de 20 de outubro de 1827 (20/8/5827).

245 As normas para criação de novos círculos foram definidas na sessão de 27 de maio de 1826, ocorrida na casa de Lima e Silva, reunindo os membros do círculo original. LAVG, Sessão de 27 de maio de 1826 (27/3/5826).

246 As atas de reunião dos círculos eram queimadas após as reuniões, o que explica a ausência de maiores registros dos círculos. A resolução de queima segue as regras estabelecidas para o funcionamento dos círculos. LAVG, Sessão de 27 de maio de 1826 (27/3/5826).

247 LAVG, Sessão de 23 de abril de 1827 (23/02/5827).

248 A advertência foi dada por Joaquim de Lima e Silva, que presidia a sessão do dia. LAVG, Sessão de 23 de setembro de 1828 (25/7/5828).

249 Segundo Joaquim Manoel de Menezes no Anno Biográphico, Epifânio era identificado por muitos como radical, sendo identificado pelos irmãos Ottoni como iniciador dos irmãos em ideias revolucionárias. O próprio Teófilo era o secretário do círculo liderado por Epifânio. MENEZES, Joaquim Manoel de. Suplemento do Anno Biographico. Rio de Janeiro, Tipographia Perseverança. 1880, p. 267.

250 LAVG, Sessão de 12 de abril de 1827 (12/02/5827).

251 Parte da falta das informações sobre os vigilantes locais pode ser identificada por nenhum dos andadores das respectivas províncias estarem presentes na sessão. LAVG. Sessão de 24 de junho de 1828 (24/4/5828).

252 Relatório de circulação dos anos de 1827-1828 e prestação de contas aos irmãos da Loja “Vigilância da Pátria”.

A “Vigilância da Pátria” – A ação da maçonaria brasileira durante a década proibida (1822-1831) – Parte VI

As tradições maçônicas e a Vigilância

A própria existência da Vigilância dependia sobretudo da capacidade de seus membros de passarem longe das suspeitas daqueles encarregados de aplicar a lei de proibição das Sociedades Secretas. No Rio de Janeiro, essa era uma das atribuições da Intendência Geral de Polícia, que, como destaca Nathália Lemos203, possuía espias pela cidade. Ainda assim, chama atenção que o secretário da Vigilância, fosse um oficial da contadoria da própria Intendência, em cuja posse permaneceu o livro de atas até a fixação da loja em um único endereço em 1830. A própria escolha o secretário nos parece uma manobra de proteção, já que grosso modo o livro de atas da maior loja maçônica do país esteve, de alguma forma, ao alcance da polícia.

Assim, para tentar solucionar esses óbices, os primeiros membros da Vigilância, principalmente seus dois nomes principais, Nicolau Vergueiro e José Joaquim de Lima e Silva, apresentaram como solução a combinação de muitas tradições, aparentemente aprendidas em seus locais de iniciação204, oferecendo respostas para conciliar um funcionamento tradicional e as novas realidades205. Estas estratégias vieram não apenas da tradição francesa na qual grande parte dos irmãos foi iniciada, mas também da tradição anglo-saxônica.

Tradicionalmente, uma loja era composta pela congregação de irmãos em um espaço físico determinado, fosse uma taverna (como nas origens da ordem na Grã- Bretanha), a casa de um dos membros ou um espaço específico para esse fim. Tal exigência, contudo, já nas primeiras décadas do século XVIII, impunha restrições àqueles que, por sua ocupação, estavam sempre em movimento, como é o caso dos batalhões do exército ou das tripulações dos navios de guerra.

Segundo Jessica Harland-Jacobs, em 1731, para solucionar tal problema e permitir aos irmãos em trânsito a manutenção dos trabalhos, a Grande Loja da Irlanda emitiu a primeira patente para uma loja volante, um “Travelling Warrant”206. Tal patente permitia que os irmãos se congregassem fora de um templo maçônico, ou seja, bastava que os irmãos se reunissem, onde quer que fosse, para que ocorresse uma sessão. Patentes volantes foram concedidas especialmente para as Lojas Regimentais, isto é, oficinas maçônicas que funcionavam dentro dos regimentos e batalhões de militares.

A concessão desse tipo de patente, que nasceu nos regimentos do exército irlandês, se expandiu rapidamente, não só passou a ser concedida por outras Grandes Lojas e Grandes Orientes, como para outros irmãos em trânsito, não somente pertencente aos quadros dos exércitos. Volantes se formaram na marinha de guerra e depois na marinha mercante, assim como em tropas de milícias e outras composições militares. Na França, a prática foi ainda mais expandida, dado que patentes de volantes passaram a ser emitidas de forma a permitir, em períodos de maior repressão à maçonaria, o funcionamento das lojas fora dos templos, isto é, mais uma vez pela simples reunião dos irmãos ou de espaços.207 Como coloca Harland-Jacobs, a criação das lojas volantes foi fundamental, nos séculos XVIII e XIX, para a expansão das atividades maçônicas por diferentes países e continentes.208

Tal como uma loja com endereço fixo, às volantes era permitido iniciar novos irmãos, bem como conceder os graus de companheiro e mestre. Mas não só, parte das patentes de volantes permitia a fundação de novas lojas ou a regularização das oficinas que encontrassem e manifestassem desejo por se associar à potência originária da volante209. A própria filiação de boa parte das lojas brasileiras do início do século XIX foi possibilitada por lojas volantes militares, como as que provavelmente figuravam nas corvetas de guerra Hydre e La Preneuse, fundadoras das lojas União do Rio de Janeiro e Cavaleiros da Luz de Salvador, tal como visto no capítulo anterior.

Ao fazer a opção de passar de um quadro fixo, mais facilmente identificável pelas autoridades, para uma loja volante, os quadros da Vigilância da Pátria precisaram traçar estratégias para a circulação da loja pela cidade, garantindo, por exemplo, que os espaços escolhidos comportassem o número de irmãos que iria se reunir. Mas tal circulação não pareceu suficiente para garantir a segurança dos membros. Optou-se, também, pela variação dos irmãos em cada sessão. Isto é, foi implementado um rodízio, de maneira que, de uma sessão para outra mudassem os presentes, dificultando, assim, a identificação dos seus membros.210

Se a circulação da loja entre diversos locais, dispensando os padrões fixos do templo, tinha suas origens nas tradições anglo-saxônicas da maçonaria, o rodízio dos membros tinha sua origem na França, mais especificamente no período pré- revolucionário, com as chamadas “Licenças de liberdade”, prática que se espalhou pela Europa durante as guerras napoleônicas.

As tais “licenças” permitiam um sistema de rodízio interno dos irmãos como forma de dificultar sua identificação pelas autoridades. Assim, era facultado aos irmãos das lojas francesas – e depois onde mais a prática foi adotada – não frequentar todas as reuniões, obrigação imposta aos maçons em lojas e situações normais. Certo grupo participava de uma reunião, sendo substituído por outro na sessão seguinte. Isto é, havia intervalos na participação de um mesmo irmão nos trabalhos da loja de forma a eludir as autoridades, assim como a filiação em lojas que contemplassem grupos sociais próximos, de forma a não gerar estranhamentos das mesmas autoridades211. Este sistema de circulação, ainda que utilizado pelas lojas de origem francesa, não era, portanto, estranho aos maçons brasileiros, muitos deles iniciados em lojas vinculadas ao próprio Grande Oriente da França.

Ao adotar ambas as tradições, tanto das lojas volantes, como do rodízio entre seus membros, a Vigilância procurou se cercar de todas as proteções possíveis, utilizando as tradições maçônicas, para garantir a continuidade dos trabalhos e a segurança dos irmãos. Entretanto, tais práticas pressupunham uma sofisticada logística para que fossem funcionais e, ao mesmo tempo, se preservasse a coesão dos irmãos.

Diferentes questões deveriam ser pensadas para determinar quem compareceria a tal ou qual sessão. Na reunião de 20 de agosto de 1825, o vigilante José Joaquim de Lima e Silva, destacou que, a fim de não despertar a atenção das autoridades, era importante que se reunissem membros que, em sua vida profana, tivessem motivos para se congregar. Colocar em uma mesma reunião homens que não necessariamente apresentavam alguma ligação social externa à loja aumentava o risco de identificação da reunião como pertencente a algum tipo de sociedade secreta. Ademais, tampouco era recomendável juntar um número muito grande de notórios opositores do governo, sempre sob os olhos atentos da Intendência de Polícia. Finalmente, como grande parte das reuniões muitas vezes aconteciam nas residências de irmãos da loja ou imóveis ligados a algum deles, a estratégia de circulação necessitava considerar a quantidade de membros que poderiam ser comportados nos locais de reunião.212

Entre 24 de junho e 18 de outubro de 1825, a Vigilância se reuniu apenas oito vezes, número pequeno de reuniões para os padrões de lojas regulares, mas um número significativo para uma loja clandestina. As duas primeiras reuniões ocorreram em semanas seguidas (24 de junho e 01 de julho), mas as seguintes foram bem mais espaçadas (17 de julho, 07 e 20 de agosto, 12 de setembro, 02 e 18 de outubro). É possível que tal se devesse à conjuntura da época, mas também da dificuldade de reunir os membros da loja tomando-se todas as precauções necessárias para sua segurança. Nota-se que a partir de 27 de julho de 1825, o rodízio já estava em funcionamento.

Todas estas questões necessitavam não apenas de uma coordenação de logística por parte dos responsáveis pela loja, mas de uma sistematização das ações necessárias. Essas eram as atribuições do primeiro vigilante e do secretário da loja, encarregados da condução do cotidiano da oficina, assim como de sua manutenção. Ambos deveriam ser auxiliados pelo andador, cuja atribuição passava pela integração entre os irmãos, facilitando e garantindo a comunicação entre eles e com a própria loja.

Tradicionalmente na maçonaria brasileira, cabia ao andador transmitir aos irmãos as datas de reuniões e avisos sobre o funcionamento da loja em geral.213 Este não era o caso do andador da Vigilância, uma vez que ele, possivelmente com exceção do venerável e do vigilante da loja, era o único que conhecia a totalidade dos membros da Vigilância214. Sua função era essencial para a sobrevivência loja, já que dele dependia a dinâmica de funcionamento das reuniões. Portanto, para ocupar tal cargo era preciso que o irmão tivesse ampla circulação pela cidade e, posteriormente, por diferentes províncias do país. Tal pré-requisito fez com que a maior parte dos andadores da Vigilância fossem militares ou comerciantes, cujo deslocamento não levantava maiores desconfianças por parte das autoridades.

Os Andadores do período proibido eram os únicos encarregados, diretamente pelo Venerável ou pelos Vigilantes da loja, de comunicar aos irmãos cuja presença seria admitida em cada sessão, assim como local e horário do encontro. O comunicado só poderia ser repassado ao maçom específico, não podendo este mesmo membro repassar o comunicado a outros membros de seu grupo. Estas especificações sobre como comunicar os quadros sobre sessões e cotidianos da loja era essencial no período, uma vez que as pressões sobre a clandestinidade exigiam sigilo sobre as atividades. Entretanto, apenas a circulação não garantia o sigilo e o controle pleno dos quadros da loja. Com este fim, os irmãos optaram pelo uso do Rito Francês. Embora fosse o rito de iniciação de grande parte dos maçons brasileiros, a escolha atenderia principalmente ao nível de coesão e controle estabelecido por este rito, dado o menor número de graus215.

Com poucos graus filosóficos, a ascensão dos irmãos era dada de forma muito mais parcimoniosa, o que permitia um maior controle hierárquico dos membros. Mas, em tempos de clandestinidade, tal restrição também garantiu para a Vigilância uma menor alternância entre os quadros principais da loja, fundamental para a proteção dos trabalhos e dos próprios irmãos, uma vez que apenas as lideranças conheciam efetivamente a totalidade do quadro de membros, garantindo maior sigilo sobre a extensão da maçonaria no período.

Tal controle não era uma mera formalidade, mas uma condição de sobrevivência, especialmente a partir de 1826, quando a Vigilância passou a contar não só com um número maior de membros, mas também estendeu sua atuação para além do Rio de Janeiro. Pouco a pouco a loja alcançou outras províncias, ainda que, num primeiro momento, os trabalhos tenham se dado de forma esporádica e com poucas pretensões de criação de oficinas distantes do corpo central. Afinal ante à situação política, tornava-se mais complexo iniciar quadros numerosos, como a presença de maiores atividades maçônicas em outras províncias poderia facilitar a identificação pelo governo.

Além dessas estratégias, a Vigilância também pode contar com outra proteção adicional, qual seja a da posse de duas cartas patentes autorizando o funcionamento da maçonaria.216 Ainda que não fique claro se esta foi uma estratégia utilizada pelos irmãos em algum momento, a posse dessas cartas de fundação e, portanto, de seu reconhecimento por potências estrangeiras tinha o potencial de proteger os irmãos de maiores perseguições caso fossem descobertos pelo governo.

A primeira das duas cartas patentes foi emitida em 1822 pelo Grande Oriente da França, em nome de João Paulo dos Santos Barreto, que retornou daquele país no final de 1822 como delegado do Grande Oriente de França no Brasil, com carta delegada para fundação de lojas no país recém independente.217 Essa carta, ainda que provavelmente emitida para reconhecimento e regularização do oriente de 1822, nunca chegou a ser apresentada aos irmãos do extinto Oriente, dado o encerramento dos trabalhos.

A segunda patente, e talvez a mais importante para a loja, foi emitida em 1826, em nome do Commodore David Jewett, oficial da marinha brasileira218, concedida pelo Sovereing Gran Consistory of the United States (Nova York, Estados Unidos), um conselho de graus superiores da maçonaria estado-unidense. A patente do comodoro Jewett possuía um grau de proteção mais significativo para a Vigilância, uma vez que esta era mais ampla em suas atribuições do que a patente francesa, como por exemplo autorizava a concessão de graus219. Entretanto, apesar da Vigilância ter, em sua posse, ambas as cartas, não consta nas atas informação sobre filiação a alguma potência, o que fazia dela uma loja irregular.220 Não era incomum, no início do século XIX no Brasil, encontrar uma loja não vinculada a uma potência, como no caso, por exemplo, da loja Comércio e Artes em 1821, em razão do desejo dos irmãos de fundar uma obediência própria. Mas, em se tratando da Vigilância, chama a atenção o longo tempo que a loja permaneceu irregular.

Considerando o exposto, a Vigilância da Pátria representou uma inovação na curta história da maçonaria brasileira, ainda que suas novidades fossem influenciadas pelas tradições da própria fraternidade. Desta mistura de tradições e inovações nasceram as primeiras articulações dessa loja e que permitiram a ampliação de seus quadros para além da cidade do Rio de Janeiro.

Os primeiros passos da loja

Todas as tentativas de nucleação da maçonaria no Brasil, nas primeiras décadas do século XIX, padeceram do mesmo problema fundamental, isto é, da dificuldade de congregar os maçons dispersos pelo território brasileiro em uma única obediência, mas não apenas isso. Segundo um dos próprios irmãos da Vigilância, outro fator desagregador era a “não representação do pensamento e dos interesses dos membros da ordem como um todo, mas antes apenas a representação de projetos de núcleos específicos, principalmente aqueles pertencentes ao Rio de Janeiro”.221 A Vigilância precisava, então, não apenas congregar os diversos núcleos dispersos pelo país após os acontecimentos de 1822 a 1824, mas também solucionar a questão da representatividade dos diversos grupos que a ela se vincularam ao longo do tempo, num equilíbrio entre a proteção dos trabalhos da loja e a liberdade de ação e pensamento de seus membros.

Assim, a Vigilância da Pátria não atendeu às formas de nucleação tradicionais das lojas brasileiras, mas antes foi formada em menor número por membros pertencentes aos grupos políticos da cidade do Rio de Janeiro. Suas principais lideranças não eram oriundas da cidade e nem mesmo pertenciam aos grupos instaladores ou membros conhecidos da maçonaria fluminense anteriores, mas sim eram ou membros de outras lojas cujos pertencimentos não foram agregados as anteriores tentativas de formação de uma obediência nacional ou mesmo eram recém iniciados na fraternidade.

Esta não vinculação das lideranças a um local específico de antigas filiações ou até mesmo a imposição de restrição de filiação de antigos membros do Oriente Brasílico não apenas atendiam à preocupação em passar longe dos radares das instituições responsáveis pela repressão às atividades da maçonaria, mas também atendiam a uma preocupação de que a nova obediência não fosse identificada como herdeira de algum modelo de imposição de autoridade central advindo das antigas tentativas de formação de uma potência nacional.

Para isto, as lideranças da Vigilância da Pátria se utilizavam de uma espécie de duplo filtro para as filiações. Primeiramente, havia uma investigação sobre a vida e as atividades políticas do candidato, a sindicância era algo comum na maçonaria em qualquer tempo. Mas, a intenção era saber se o candidato manteria em segredo sua condição de maçom e o que se passava nas sessões. Apenas depois de tais procedimentos é que um irmão era autorizado a convidar o futuro iniciando222. Não à toa, apenas em 24 de maio de 1826, foi iniciado um novo irmão, no caso Francisco da Silva França223, identificado como negociante de 38 anos, natural de Santa Catarina.

Desde sua fundação a Vigilância se tornou uma congregação de maçons brasileiros de passagem na cidade do Rio de Janeiro ou residentes nas imediações, ainda que limitada a participação pela necessidade de filiação e seguindo os critérios apresentados anteriormente.

A despeito de todas as tradições recuperadas e reinventadas, a Vigilância em seu primeiro ano foi pensada como uma loja de funcionamento quase tradicional, respeitando o rodízio entre seus membros, de forma que não comparecesse um número maior do que 20 irmãos por reunião. Para tanto, estabeleceu-se uma forma de revezamento por meio de um sorteio entre 3 grupos. Os dois primeiros grupos compareceriam às suas respectivas reuniões a cada semana, enquanto na terceira semana de rodízio compareceriam metade de cada um dos dois grupos prévios, misturando-se assim os grupos. Em cada reunião haveria a presença do venerável ou do 1º vigilante, acompanhados de um dos dois segundos vigilantes, responsáveis pela organização do local da reunião. Já as demais funções da loja não eram fixas, mas exercidas por sorteio entre os presentes em cada reunião224.

O grupo original da Vigilância, dividido entre os grupos de rodízio, é considerado o primeiro círculo da loja. À medida em que esta se expandiu, foram criados novos círculos, seguindo os mesmos critérios de rodízio do círculo principal, cada um deles confiado a um maçom específico, que exercia a função de segundo vigilante225. Assim, as reuniões contariam sempre com a presença de, ao menos, um segundo vigilante e outras autoridades.

Essas são diferenças importantes em comparação com as lojas maçônicas em geral. Em uma oficina qualquer, havia um quadro específico de funções, para as quais os irmãos eram eleitos para um exercício de dois anos. Compunham o quadro de uma loja maçônica no período: um venerável mestre, um 1º vigilante, um 2º vigilante, um orador, um tesoureiro, um secretário, um chanceler, um mestre de cerimônia, um cobridor, um andador e um experto. Tais funções podem ser divididas em funções de chefia e organização da loja (venerável, vigilantes, tesoureiro, chanceler, andador e secretário) ou cerimoniais (vigilantes, orador, mestre de cerimônia, cobridor e experto).

Às funções de chefia cabia a organização da loja, tanto dos membros e registros de reuniões, quanto das finanças. O venerável ou presidente da loja preside a sessão e é responsável pela existência dela como um todo. Ao 1o vigilante cabia substituir o venerável em sua ausência e administrar conjuntamente a loja. O 2o vigilante, por sua vez, substitui o primeiro vigilante, além da função cerimonial. O tesoureiro é responsável pelas finanças da loja, recolhendo os pagamentos devidos por cada irmão, além de pagamentos diversos de manutenção da própria loja e auxílio aos irmãos se necessário. O chanceler é responsável pelo registro dos irmãos da loja, anotações diversas acerca de graus e funções, além do contato com outras lojas. O secretário é responsável pelos registros de reuniões, além de controle de presença e da articulação daqueles que exercem as demais funções. E o andador é responsável por comunicar os membros da loja sobre dias, horários e locais de reunião, além de repassar recados226.

Já àqueles que ocupavam funções cerimoniais cabia cuidar das sessões da loja, como os cargos de mestre de cerimônias, cobridor e outros, cujas funções são responsáveis pelo andamento da cerimônia e organização dos ritos específicos que possam ocorrer na sessão, tais como a organização do cerimonial e o controle de acesso dos membros227.

As funções dentro da Vigilância também seguiam a um ordenamento específico. O venerável e o 1º vigilante dividiam entre si a liderança da loja, revezando-se nas reuniões, às quais, como mencionado, deveria comparecer sempre um dos segundos vigilantes228. Ademais, os segundos vigilantes acumulavam a função de chanceler e cobridor do círculo sob sua responsabilidade.

Já o secretário da loja, ainda que nominalmente fosse eleito apenas um dos irmãos, não frequentava todas as reuniões. Assim, caso o secretário não estivesse presente, um irmão era escolhido para anotar os pontos principais da reunião e repassá-los ao secretário, a quem ficava confiado o único livro de atas da loja, como mencionado anteriormente. Por esta razão, as atas das reuniões em que o secretário estava presente são muito mais detalhadas que as demais, com anotações sobre trechos de discursos ou outros detalhes específicos. Além da função de secretariar a loja, o secretário também acumulava a função de tesoureiro e de chanceler geral.

As demais funções cerimoniais eram distribuídas conforme o círculo, por sorteio e respeitando a antiguidade do maçom, por data de filiação ou de iniciação, visto que eles deveriam conhecer em maior profundidade os ritos e cerimoniais. Por esta razão, à medida em que os círculos da Vigilância foram se expandindo, os membros originais ou os maçons com maior tempo de iniciação foram se vinculando a esses novos grupos, criando assim laços entre cada círculo maçônico da loja e o círculo original.

Continua…

Autora: Pilar Ferrer Gomez

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em História – 2022.

Link: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-06102022-120353/en.php

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Notas

203 LEMOS, Nathália Gama. Um Império nos trópicos: A atuação do Intendente Geral de Polícia, Paulo Fernandes Viana, no Império Luso-brasileiro (1808-1821). Dissertação de Mestrado. Niterói: UFF, 2012.

204 Lima e Silva apresentou as propostas na sessão de 01 de julho de 1825. Entretanto o secretário não anotou em que local o coronel teria sido iniciado, o que nos impede por hora identificar sua loja de origem. LAVG, Sessão de 01 de julho de 1825 (01/4/5825).

205 LAVG, Sessão de 01 de julho de 1825 (01/5/5825).

206 HARLAND-JACOBS, Jessica. “Global Brotherhood. Freemasonry, Empires and Globalizations”. REHMLAC, Special Issue UCLA, 2013, pp. 77-78.

207 QUÉRUEL, Alain. La franc-maconnerie. Paris: Éditions Eyrolles, 2011, p. 40.

208 HARLAND-JACOBS, Jessica, Builders of Empire. Freemansory and British Imperialism, 1717-1927, Chapel Hill (NC): The University of North Carolina Press, 2007, p. 35.

209 HARLAND-JACOBS, op. cit., p. 37.

210 LAVG, Sessão de 17 de julho de 1825 (17/5/5825).

211 O sistema de circulação por rodízios é descrito como originado por volta de 1760 entre as lojas de Bordeaux e Paris, localidades estas onde também se originaram os ritos de origem francesa. Ver BAUER & MOLLIER, op. cit., p. 139.

212 LAVG, Sessão de 20 de agosto de 1825 (20/6/5825).

213 O Grande Oriente Brasílico, por exemplo, contava com um Andador, cuja atribuição era apenas o de comunicar horários e locais de reuniões aos membros das lojas. MENEZES, op. cit., p. 14.

214 Ainda que a figura dos andadores não seja estranha às lojas brasileiras, chama atenção que não se localiza nas discussões da bibliografia internacional qualquer referência a esta figura. Entretanto, não nos parece que esta função fosse exclusiva das lojas brasileiras, mas talvez que esta tenha resistido por mais tempo dadas as dificuldades brasileiras, dada a proibição das sociedades secretas.

215 O rito francês, ainda que tenha passado de 7 a 9 graus em sua totalidade durante o século XX, ainda é considerado o “menos democrático” dos ritos praticados pela maçonaria, dada a menor ascensão aos graus superiores. Sobre o funcionamento do rito francês ou moderno ver JONES, op. cit., pp. 117-122.

216 Machado Nunes anota a informação das posses das duas cartas em 24 de junho de 1827, ainda que não informe como e quando as respectivas patentes chegaram à loja. LAVG, Sessão de 24 de junho de 1827 (24/4/5827).

217 João Paulo Barreto, militar brasileiro, permaneceu na Europa entre 1819 e 1822, estudou engenharia e hidráulica na França, onde foi iniciado na irmandade. Retornou ao Brasil no final de 1822. A Carta Patente emitida em nome de João Paulo Barreto encontra-se nos arquivos da Biblioteca do Supremo Conselho do grau 33º do Rito Escocês Antigo e Aceito, na cidade do Rio de Janeiro. Sua reprodução pode ser encontrada em ASTREA 33: Órgão Official do Supremo Conselho do Brasil. Rio de Janeiro, ano 2, vols. 9 e 10, set. e out., 1923, pp. 333-334.

218 David Jewett era membro da marinha brasileira desde 1822, quando participou da Guerra de independência da Bahia, tendo tomado de parte de outras batalhas da marinha imperial, como, por exemplo, a repressão à Confederação do Equador, permanecendo como alto oficial por mais de uma década. Ao longo dos anos retornou esporadicamente aos Estados Unidos, de onde trouxe a patente, em 1826. DANTAS, Monica Duarte. Corsários, militares, diplomatas, comerciantes: David Jewett e a maçonaria nas Américas (1800-1842). Projeto para Bolsa produtividade CNPq, 2021 (texto inédito cedido pela autora).

219 Na cidade de Nova York, à época, funcionavam dois conselhos para os graus superiores, o Grand Consistory e o Supreme Councilof the Schottisch Rite, Northern Masonic Jurisdiction, este vinculado ao Supreme Council, criado em 1801 na Carolina do Sul, intitulado Mother of the World por ter sido o primeiro do mundo. Agradeço à Professora Monica Duarte Dantas pelas informações sobre os conselhos superiores dos Estados Unidos. A Carta Patente de Jewett consta, transcrita, na ASTREA 33: Órgão Official do Supremo Conselho do Brasil, p. 336-339. Conforme pesquisa realizada por Monica Duarte Dantas junto ao arquivo do Supreme Council of the Schottisch Rite, Northern Masonic Jurisdiction, em Lexington (Massachusetts), lá se encontra exemplar manuscrito da referida patente.

220 Uma loja maçônica só é considerada regular a partir do momento que recebe a carta de filiação de uma obediência. No caso da Vigilância, ao menos no livro de atas que encontramos, não há nenhuma informação sobre esse vínculo, ainda que o secretário tenha anotado as posses das patentes pela loja.

221 O maior crítico desta “centralização”, principalmente quanto Oriente de 1822 é Lino Coutinho, assim como os irmãos da Bahia. LAVG, Sessão de 12 de junho de 1826 (12/4/5826).

222 Ainda que grande parte dos maçons fossem iniciados apenas aos 21 anos, filhos de maçons poderiam ser iniciados aos 18 anos, conforme constam nas regras usadas pela Vigilância. Ao limitar a iniciação de qualquer candidato aos 21 anos, a loja restringia seus quadros em idade ao critério de cidadania da constituição. As decisões sobre as idades para candidatos se encontram nos debates do círculo principal em 27 de abril de 1826. LAGV, Sessão de 27 de abril de 1826 (27/2/5826).

223 Francisco da Silva França é provavelmente um dos irmãos de Manoel José De Souza França, deputado pela província do Rio de Janeiro, também membro da loja, responsável pela apresentação da candidatura de Francisco.

224 O estabelecimento final dos critérios para os revezamentos ocorreu na sessão de 20 de julho de 1825. LAVG, Sessão de 20 de julho de 1825 (20/5/5825).

225 A função com mais membros na Vigilância da Pátria eram os segundos vigilantes, dada a organização dos círculos. Em 1825 foram eleitos dois segundos vigilantes, como visto anteriormente, mas dada a expansão da loja, em 1828 constam nas atas 12 segundos vigilantes, elencados mais à frente no capítulo.

226 JONES, op. cit., pp. 123-132.

227 JONES, op. cit., pp. 131-133.

228 Dada as características da loja, a Vigilância elegeu em um primeiro momento, dois 2º vigilantes ao invés de um. À medida em que a loja se expandiu, foram eleitos outros segundos vigilantes, como detalhados mais a frente neste capítulo.

A “Vigilância da Pátria” – A ação da maçonaria brasileira durante a década proibida (1822-1831) – Parte V

Capítulo 2

Uma nova clandestinidade e a Vigilância da Pátria

No ano de 1825 alguns maçons mais intrépidos reuniram-se em um quadro errante, que denominaram Vigilância da Pátria. A prudência dos operários soube iludir o Argos perseguidor, recatando de suas pesquisas os trabalhos maçônicos, que mesmo em retiro tomaram força e vigor191.

O fechamento da loja 6 de março de 1817, após a derrota da Confederação do Equador, aliado aos eventos do biênio de 1822/24, impôs à maçonaria brasileira uma nova realidade em que a articulação dos irmãos seria diferente das antigas fórmulas da fraternidade, mas contaria com estratégias diversas e únicas para sua sobrevivência. Influenciados pelas próprias tradições da ordem pelo mundo, articularam-se a partir de quadros de menor destaque, excluindo dos círculos aqueles irmãos pertencentes ao Oriente de 1822.

Como abordado no primeiro capítulo, o término da Confederação do Equador significou não apenas a desarticulação dos quadros da maçonaria de Pernambuco e demais províncias envolvidas no processo, com a morte ou exílio das principais lideranças da ordem envolvidas no movimento, mas também impactaram na capacidade de articulação dos irmãos, uma vez que as oficinas que ainda resistiam no país, ou bem perderam membros ou simplesmente desapareceram em razão da fiscalização do governo. Assim, a solução encontrada para garantir a manutenção das atividades da fraternidade, resultou na fundação de uma loja de caráter singular (considerando a breve história da maçonaria em terras brasileiras), cuja ação garantiu sua sobrevivência no país. Criada no Rio de Janeiro em junho de 1825, recebeu o significativo nome de “Vigilância da Pátria”.

Se o Rio de Janeiro representava uma opção arriscada, concomitantemente era ali que se encontrava um número significativo de maçons, cuja capacidade de articulação permitiu não só a continuidade dos trabalhos, mas seu espraiamento pelo território nos anos subsequentes.

A situação política do período impunha a necessidade de existir na clandestinidade, de maneira a eludir a ação do governo. Sem dúvida, lojas de funcionamento clandestino, ou de maior segredo, não eram uma novidade para os maçons do mundo luso-brasileiro. Como visto no capítulo anterior, parte das oficinas da primeira década do século XIX funcionaram burlando grande parte da fiscalização do poder régio. Ainda assim, as formas de organização e funcionamento da Vigilância trouxeram novidades em relação ao período anterior, tanto em relação às estratégias escolhidas para garantir a proteção dos membros, como no tangente às articulações que permitiram a construção de uma rede de sociabilidade que ligava a Corte a tantas outras cidades do país.

2.1 – A Vigilância se organiza

Aos 24 dias do 4º mez do anno da V⸫ L⸫ de 5825, nesta festa do dia de São João, reunidos em local seguro e coberto nesta cidade do Rio de Janeiro, iniciou-se os trabalhos desta augusta e respeitável loja, a qual o povo maçônico atribuiu o honrado título de Vigilância da Pátria.192

Em 24 de junho de 1825, em um local não identificado no Rio de Janeiro, reuniu- se um pequeno grupo de vinte e três maçons para tentar reorganizar os trabalhos da fraternidade na cidade, ainda profundamente impactada pela lei de proibição das Sociedades Secretas, pelos acontecimentos de 1824 e pelo controle imposto aos maçons pela Intendência Geral de Polícia. Para o período entre 1823 e 1825, quando da fundação da Vigilância, não foram encontrados registros, nem mesmo na memória maçônica, sendo assim é muito pouco provável que tenha existido alguma organização mais formal dos trabalhos maçônicos na cidade, embora a ausência de documentos não signifique o total adormecimento da ordem.

Os instaladores da loja Vigilância da Pátria são listados pelo secretário em dois grupos, sendo o primeiro formado por aqueles cujos nomes completos constam nas atas e um segundo grupo, listados apenas por parte de suas iniciais, como forma de proteção. Dentre os nomes de maçons existentes nesta primeira sessão, chama atenção o fato de que nenhum deles figurassem em qualquer das listas de membros das lojas existentes no país anteriormente.

O primeiro dos membros instaladores da Vigilância da Pátria identificado nas atas da sessão inaugural é o deputado eleito pela província de São Paulo, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro. Figura central da loja durante todo seu funcionamento, Vergueiro, nasceu em Portugal em 20 de dezembro de 1778, formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra em 1801, mudando-se para o Brasil logo em seguida.

Vergueiro era um político proeminente na província, foi advogado, juiz de sesmarias (1816), vereador em São Paulo (1813), membro do governo provisório da mesma província em 1821, deputado nas Cortes de Lisboa, onde exerceu importante papel junto à “bancada brasileira”. Retornando ao Brasil, foi eleito deputado pela província de São Paulo para a Assembleia Constituinte e depois como deputado geral em 1824, constando entre os nomes da lista tríplice para o Senado, não escolhido para a função. Além disso, Vergueiro era proprietário de várias fazendas nas cidades de Piracicaba, Sorocaba, Araraquara e Itu, algumas delas em sociedade com o sogro. Em 1828, foi eleito novamente para o Senado, ao qual foi empossado pela província de Minas Gerais. Exerceu diversas outras funções, em ministérios diversos, assim como foi um dos membros da Regência Provisória, em 1831193.

O segundo membro da Vigilância é o coronel José Joaquim de Lima e Silva, nascido no Rio de Janeiro em 26 de julho de 1787. Membro de uma tradicional família de militares, formou-se como militar no exército pelo Regimento de Infantaria da mesma cidade. Lima e Silva exerceu carreira dentro da infantaria do exército, sendo enviado como comandante de terra para as lutas da independência da Bahia em 1822, província da qual foi membro da junta de governo provisória e presidente de província em 1823. No mesmo ano foi escolhido como ajudante de armas do imperador e depois comandante de armas em 1831.

Também pertenciam à lista de membros originais identificados da loja Vigilância da Pátria dois de seus irmãos mais novos, os capitães João Manoel de Lima e Silva e Luiz Manuel, nascidos no Rio de Janeiro, respectivamente, em 2 de março de 1805 e 29 de agosto de 1806. Ambos formaram-se na Academia Real Militar do Rio de Janeiro e participaram das lutas na Guerra de Independência da Bahia sob o comando do irmão, ainda como soldados.

Após a independência, João Manoel foi designado para comandar o 28º Batalhão de Caçadores Alemães no Rio Grande do Sul, envolvendo-se em diversas atividades políticas ainda no Primeiro Reinado. Luiz Manuel, por sua vez, foi enviado como comandante para a Guerra da Cisplatina e posteriormente foi comandante da Guarda Nacional no Rio Grande do Sul, onde terminou a sua carreira.

Entre os fundadores da Vigilância também figuram “ilustres desconhecidos” como Epifânio Maria José Pedroso, nascido em Portugal por volta de 1797. Veio para o Brasil com sua família em 1808, durante a transferência da corte, pois seu pai era oficial da Secretaria do Reino, cargo ao qual Epifânio o substituiu por volta de 1816. Epifânio era, nas palavras de Joaquim Manuel de Macedo, um dos maiores agitadores políticos de seu tempo, sempre presente em qualquer associação política do Primeiro Reinado. Epifânio permaneceu como oficial da Secretaria dos negócios do Império até a sua aposentadoria em 1842, quando teria sofrido um derrame que o deixou incapacitado para tal função194.

Outro “anônimo” listado nas atas é João Machado Nunes, do qual apenas sabemos que durante o período de existência da Vigilância da Pátria foi oficial da contadoria da Intendência geral de Polícia na cidade do Rio de Janeiro, não constando qualquer outra informação.

Antonio Pedro da Costa Ferreira, nascido em Alcantara, no Maranhão, em 1778, formou-se em direito pela Universidade de Coimbra em 1803, sendo nomeado em 1805 como fiscal da junta da vila de Alcantara e depois superintendente da mesma, cargo em que permaneceu até 1821. Foi membro do Conselho da presidência da província entre 1826 e 1829, sendo eleito deputado pelo Maranhão na segunda legislatura.

José Feliciano Pinto Coelho da Cunha, nascido em Minas Gerais em 1792, foi aluno da Academia Real Militar no Rio de Janeiro, tendo seguido carreira no exército até a patente de tenente-coronel. Foi membro da junta de governo da província de Minas Gerais em 1822 e eleito deputado pela mesma província em 1830. Foi professor visitante da Academia Militar no ensino de mineração, atividade a qual exercia em suas terras em parceria com companhias inglesas na exploração de ferro.

Francisco de Paula Souza e Mello, nascido em Itu, São Paulo, em 1791, rábula em direito e proprietário de terras, foi deputado na Assembleia constituinte de Portugal em 1823 pela província de São Paulo. Retornando ao Brasil, foi eleito deputado pela mesma província como deputado na Assembleia Constituinte de 1823 e depois como deputado geral em 1824, cargo que exerceu por mais duas legislaturas até 1833. Como deputado, foi presidente da Câmara entre maio e junho de 1827, além de membro do conselho de província por São Paulo. Em 1833, foi eleito senador pela província de São Paulo.

José Joaquim Vieira Souto, nascido no Rio de Janeiro por volta de 1797, foi militar formado na Academia Real Militar e professor na mesma instituição no curso de mineração, tendo o coronel Pinto Coelho como auxiliar em algumas aulas. Foi chefe da guarda e da cavalaria da freguesia do Santíssimo Sacramento, na cidade do Rio de Janeiro, entre 1827 e 1832, liderando parte das tropas na madrugada da Abdicação de dom Pedro I. Foi editor do jornal Ástrea do Rio de Janeiro e deputado pela província do Rio de Janeiro em 1830.

Joaquim Francisco Alves Branco Muniz Barreto, nascido em Salvador, Bahia, em 1800, formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra em 1820, e depois foi juiz na Bahia por volta de 1824. Foi eleito deputado pela província da Bahia em 1830. Outras informações sobre sua carreira são de difícil acesso, pois muitas delas se confundem com as de seus irmãos, cujos nomes são sempre muito semelhantes. Era filho do brigadeiro Domingos Alves Muniz Barreto, o vovô maçom de 1825 abordado no primeiro capítulo.

José Lino dos Santos Coutinho, nascido em Salvador, Bahia, em 1784, formou-se em medicina pela Universidade de Coimbra em 1813, passando por um período de estudos na França e na Inglaterra. Foi membro da junta de governo da Bahia em 1821, onde atuou como secretário e depois deputado na Assembleia Constituinte de Portugal em 1822. Em 1824 foi eleito deputado geral pela Bahia, cargo em que permaneceu por mais uma legislatura. Foi professor do Colégio Médico-Cirúrgico da Bahia na cátedra de patologia e, em 1832, com a elevação do Colégio à Faculdade de Medicina, foi o primeiro diretor da instituição.

Por fim, o último dos membros instaladores identificado nas atas da vigilância é Antonio José do Amaral, nascido no Rio de Janeiro por volta de 1782. Formou-se em matemática pela Universidade de Coimbra em 1807 e militar do corpo de engenheiros, sendo nomeado professor de aritmética, geometria e trigonometria na Academia Real Militar em 1811. Foi lente de geometria da mesma instituição. Foi eleito deputado em 1830 pela província do Rio de Janeiro.

Além dos referidos maçons identificados como instaladores da Vigilância da Pátria, existem outros nove membros presentes na sessão inicial designados apenas pelas suas iniciais: A.J.M.S., J.F.R.S., S.S.N, A.R.M. e F.J.S. (comerciantes), J.O.R, A.J.M.R, F.A.S e A.F.P.R (militares)195. Conforme informado pelo próprio secretário em 27 de maio de 1826, optava-se pelo uso de iniciais sempre que o irmão tivesse menor “proteção política”, uma vez que esses irmãos seriam muito mais vulneráveis às punições da lei das Sociedades Secretas caso fossem identificados pelas autoridades196. Tal postura fazia-se necessária uma vez que havia sempre o risco de um possível confisco do livro de atas da loja por parte da Intendência. Assim, o uso das iniciais dificultaria a identificação dos membros. Tal prática foi utilizada em quase todas as iniciações de maçons na Vigilância, com exceção das iniciações cujos indicados já possuíam tal proteção.

O objetivo principal desse grupo era o de em alguma medida, reinstalar os trabalhos maçônicos na cidade do Rio de Janeiro, sendo o núcleo responsável pela criação da maior loja maçônica do Brasil da década de 1820, ainda que suas atividades fossem proibidas por lei e os percalços para a manutenção dos trabalhos ao longo dos anos tenham sido os mais variados.

Analisando o quadro inicial da Vigilância, nota-se a pluralidade de origens e ocupações, mas mantendo-se a composição tradicional das oficinas, como visto no capítulo anterior. Porém, duas questões merecem destaque. Primeiramente, nenhum destes 23 homens faziam parte de qualquer das listas conhecidas de membros das lojas brasileiras anteriormente. Ainda assim, todos os fundadores da Vigilância já eram maçons iniciados, muitos deles já haviam alcançado o grau de Cavaleiros Rosa Cruz, o último grau do rito francês, o que indica que seu pertencimento à fraternidade não era recente197.

Em segundo lugar, como se pode constatar pelos nomes citados, não havia qualquer membro do antigo Grande Oriente Brasílico. Foram proibidas as filiações de “maçons notórios por sua atividade em lojas anteriores, sobretudo aqueles que tomaram participação nos acontecimentos do Oriente de 1822, pois estes irmãos são conhecidos por aqueles que nos combatem”, ainda que alguns deles, como Mendes Viana e Cipriano Barata sejam algumas vezes referidos nas atas, sem que participem de reuniões198. Tal proibição não possuía relação com os contextos políticos da época, mas pela identificação destes maçons em vários processos públicos, como a Bonifácia, e que por isso, estes seriam “os principais alvos de monitoramento das atividades por parte das autoridades”199.

Diferentemente do Oriente Brasílico, a Vigilância nunca se arrogou como representação única da maçonaria no país, ainda que a loja tenha congregado maçons dispersos por parte significativa do território. Não haveria como, nas palavras de Lino Coutinho, “possuir qualquer pretensão de unanimidade dos irmãos ou dos trabalhos de possíveis lojas”, ainda que mais protegidos dentro dos círculos da Vigilância200. Nota-se uma espécie de oposição às lideranças do antigo Grande Oriente e sua tentativa de uma centralização absoluta da condução dos trabalhos da maçonaria brasileira201.

A primeira sessão da Vigilância, seguindo a tradição, começou com a escolha dos principais cargos da loja, sendo aclamados pelos presentes como venerável mestre Nicolau Vergueiro, como 1º vigilante José Joaquim de Lima e Silva, Epifanio José Maria Pedroso e Antonio Pedro da Costa Ferreira para os cargos de 2º vigilantes, José Feliciano Pinto Coelho da Cunha como andador e João Machado Nunes para o cargo de secretário.

Após o consenso dos presentes, ficou decidido que a loja trabalharia segundo o rito moderno, dada a familiaridade dos irmãos com tal rito, mas também em razão da recusa dos presentes em usar nomes simbólicos. Considerando como uma tradição ultrapassada, embora fosse comum entre as lojas que adotavam o rito francês ou o adonhiramita. O recém-eleito venerável pronunciou seu primeiro discurso, conclamando os irmãos a

[…] zelarem pelos trabalhos maçônicos com o mesmo ardor com que zelam por suas famílias, assim como devem sempre serem vigilantes da pátria, para que um dia possamos, como devem os homens de valor, construir a nação que almejamos202.

Nas primeiras sessões, a Vigilância pareceu se organizar como qualquer outra loja maçônica que teria funcionado no Brasil – contando com os mesmos cargos e seguindo o ritual comum às oficinas da época –, senão fosse pela adoção de algumas práticas que a tornariam única no país. Em várias das suas primeiras reuniões, seus membros debateram sobre quais seriam os mecanismos que seriam adotados para a proteção dos trabalhos e de seus membros. A primeira opção foi por não ser uma loja de local fixo, mas antes uma loja volante, itinerante, que se reuniria em variados locais e que não precisava obedecer às determinações sobre as características do salão ritual, mas apenas a necessidade de seus membros se reunirem para assim compor uma sessão da loja.

Continua…

Autora: Pilar Ferrer Gomez

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em História – 2022.

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Notas

191 MANIFESTO que a todos os Sapientíssimos Grandes Orientes, Augustas Lojas e Responsáveis Maçons dirige o Grande Oriente Brasileiro situado ao Valle do Passeio, p. 5.

192 Por uma facilidade ao leitor, dada a datação própria do calendário maçônico, as datas das sessões da Vigilância serão aqui apresentadas sempre em sua data comum ou profana, seguida pela identificação nas notas da respectiva data maçônica. LAVG, Sessão inaugural da loja Vigilância da Pátria em 24 de junho de 1825 (24/4/5825).

193 Todas as informações das pessoas citadas nesta dissertação foram retiradas de BLAKE, Augusto Victorio Alves Sacramento. Diccionário bibliográfico brasileiro. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1883-1902, 7 volumes; MACEDO, Manoel Joaquim. Anno biográfico brasileiro. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1876, 4 volumes. As demais informações, como locais de nascimento e falecimento dos citados encontram-se no anexo deste documento.

194 As informações sobre Epifânio encontram-se citadas apenas no verbete de seu nome no 4º volume do Dicionário Biográfico de Joaquim Manoel de Macedo. Tais informações resistiram pela aparente ligação pessoal do autor com Epifânio, uma vez que Macedo era maçom, se encontrando filiado à loja Integridade Maçônica II, na cidade do Rio de Janeiro, em 1844.

195 LAVG, Sessão inaugural da loja Vigilância da Pátria em 24 de junho de 1825 (24/4/5828)

196 “Dado o não uso de nomes simbólicos, alguns membros da loja serão identificados apenas por suas iniciais pelo secretário da loja, para a proteção dos mesmos”. LAVG, Sessão de 27 de maio de 1826 (27/3/5826).

197 A Vigilância só iniciou seu primeiro membro em 24 de junho de 1826, quando foi iniciado Francisco da Silva França (negociante). LAVG, Sessão de 24 de junho de 1826 (24/4/5826).

198 A regra de não filiação dos maçons de 1822 foi colocada na sessão de 01 de julho de 1825, ainda que alguns destes maçons, como Cipriano Barata, Domingos Alves Muniz Barreto e João Mendes Viana permanecessem próximos aos membros da Vigilância. LAVG, Sessão de 01 de julho de 1825 (01/5/1825). 199 LAVG, Sessão de 01 de julho de 1825 (01/5/1825).

200 LAVG, Sessão de 14 de outubro de 1827 (14/8/5827).

201 Fala de José Joaquim de Lima e Silva, na sessão de 09/11/1825. LAVG, Sessão de 09 de novembro de 1825 (09/9/5825).

202 LAVG, Sessão inaugural da loja Vigilância da Pátria em 24 de junho de 1825 (24/4/5828).

A “Vigilância da Pátria” – A ação da maçonaria brasileira durante a década proibida (1822-1831) – Parte IV

1.3 – A “clandestinidade” da maçonaria brasileira

Após a proibição das sociedades secretas, a resistência maçônica no Brasil da década de 1820 passou por ao menos dois momentos distintos, com mudanças nas formas de resistência e nos locais de centralidade dos irmãos, influenciadas pelas diferentes realidades políticas e pela capacidade de articulação dos membros frente às perseguições que sofriam.

O fechamento das lojas da cidade do Rio de Janeiro após a devassa instaurada contra as principais lideranças da corte, levaram a centralidade da organização maçônica de volta ao seu centro dispersor original, as províncias do Norte, que haviam perdido seu protagonismo após os desdobramentos da Revolução Pernambucana.

Ainda que o projeto do Grande Oriente Brasílico representasse uma tentativa de unificação, de articulação e de controle que garantisse a sua centralidade, tal projeto de funcionamento e de poder pouco atendiam à realidade da vida maçônica no Brasil, que se constituía de forma muito mais dinâmica e abrangente do que pretendia o projeto fluminense de centralização.

A pluralidade da maçonaria brasileira e as diferentes realidades e projetos políticos não se restringiam à forma de organização pretendida pelo Oriente fluminense. As lojas possuíam origens e tradições diversas daquelas do grupo fundador do Oriente Brasílico, e grande parte das lideranças das lojas fora do círculo da cidade do Rio de Janeiro tendiam a posições diversas daquelas lideranças do oriente fluminense.

No contexto entre o final de 1822 e 1824, as lojas de Pernambuco, em especial a loja 6 de Março de 1817, se tornaram o centro da articulação maçônica brasileira, impactada pelas prisões de parte significativa de suas lideranças e pelo fechamento da Assembleia Constituinte em novembro de 1823.

A maçonaria para além do Rio de Janeiro

Como vimos anteriormente, o Grande Oriente Brasílico, em suas primeiras sessões, enviou uma série de representantes às províncias de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Ceará e Cisplatina com o objetivo de obter a adesão das lojas existentes nestas províncias ao novo oriente fluminense.

Entretanto, tal projeto enfrentou uma série de obstáculos, não apenas pelo encerramento das atividades da potência ao final de outubro de 1822, mas sobretudo pela não adesão das lojas das demais províncias ao projeto político representado pelo Rio de Janeiro e suas lideranças. Entre as províncias mencionadas, a única a solicitar filiação ao oriente fluminense foi a loja Mineiros Reunidos, de Ouro Preto170.

O emissário que visitou essa loja foi o Cônego Januário da Cunha, Grande Orador da obediência fluminense. O envio de Januário a Minas tinha não apenas o propósito de regular a loja mineira e mesmo de organizar as atividades maçônicas na província, mas principalmente conquistar o apoio dos principais grupos políticos da província. Algumas preocupações ficaram registradas no interrogatório de filiação do brigadeiro José Maria Pinto Peixoto, em que este expressou as desconfianças das lideranças da província sobre “as intenções do príncipe e qual o sistema de governo que adotaria”171. Assim, Januário tinha não apenas a missão de vincular as lojas ao oriente fluminense, mas principalmente atrair as lideranças mineiras ao projeto fluminense.

Diferente de Minas Gerais, de que se tem notícias sobre a chegada do representante e a regulamentação de sua filiação, as demais localidades ao não se manifestarem sobre os emissários, representam não apenas uma negativa ao projeto fluminense, mas principalmente as dificuldades encontradas pelos emissários fluminenses frente às diversas realidades locais.

Da Bahia esperava-se uma importante resposta positiva, não apenas pela longevidade das atividades maçônicas na província, mas buscava-se o apoio do local primordial de atuação da fraternidade, além da reconfiguração das alianças do proto-oriente de 1817. A reconfiguração da antiga aliança poderia ser vista como um facilitador nas negociações com Pernambuco e Ceará para obter a adesão destes à nova potência.

Um ponto favorável para a relação com os irmãos baianos era a presença do brigadeiro Moniz Barreto entre os quadros do oriente fluminense, uma vez que o brigadeiro, natural da Bahia, possuía laços com os maçons da província, sobretudo em Salvador. Além da presença de Moniz Barreto, foram enviados como representantes do Grande Oriente os brigadeiros Rodrigo DeLamare e Pierre Labatut, ambos pertencentes à loja Comércio e Artes, sendo o primeiro considerado o emissário oficial172.

O envio de DeLamare como emissário demonstra os usos políticos da ordem na demonstração de proximidade e respeito aos irmãos da Bahia. Filiado e enviado pelo Grande Oriente na sessão de 2 de julho como delegado para a Bahia, viajava naquela mesma data como comandante-em-chefe de armas para a Bahia, para liderar as forças locais na resistência às tropas de apoio a Portugal na guerra de independência.

Não há informação se o brigadeiro foi recebido por alguma loja ou mesmo uma autoridade maçônica na Bahia, que se encontrava em meio ao conflito que perdurou até julho de 1823. Mesmo que as lojas da província tenham permanecido em atividade durante a guerra de independência, estas não enviaram qualquer comunicação ao Oriente fluminense antes do encerramento das atividades deste.

Assim, o projeto de vinculação dos maçons da Bahia como forma de fortalecer o oriente fluminense, angariando apoio dos demais centros maçônicos, não pôde ser efetivado. Não apenas pelos acontecimentos vinculados à guerra na Bahia, mas ao não enviar qualquer missiva ao oriente do Rio de Janeiro, os maçons da Bahia demonstram que não apenas os momentos políticos e as necessidades locais estão em desalinho ao que pretendia o oriente fluminense, mas explicitam que os quadros baianos não possuíam interesse de vinculação a uma potência maçônica fundada apenas por quadros vinculados ao Rio de Janeiro, ainda que se afirmasse como nacional.

Da mesma forma que a Bahia recebeu como emissário um membro também enviado pelo governo central para a organização do novo governo pós-independência, Ceará, Cisplatina e Pernambuco receberam emissários nestes mesmos moldes. E por sua vez, não enviaram qualquer missiva de retorno ao oriente fluminense. Assim como no caso baiano, o silêncio destas lojas pode significar não apenas a falta de tempo hábil para uma resposta antes do fechamento do oriente fluminense, mas sobretudo implicam na não adesão a este projeto, não reconhecendo essa obediência.

A não aceitação do oriente fluminense como potência geral não apenas pode demonstrar uma não adesão ao seu projeto político, explicitado até mesmo pelas escolhas de seus quadros de liderança, como seu Grão Mestre e o 1º Vigilante, mas remetem a diversidade de tradições maçônicas nas diferentes localidades do Brasil, considerando inclusive a ideia de não ser necessária uma obediência geral para todo o território, em conformidade com o modelo adotado nos Estados Unidos, pressupondo a existência de diversos centros que se reconhecessem e se auxiliassem.

Ainda que parte da maçonaria brasileira aderisse a um projeto de Oriente geral para todo o país, este ainda assim presumiria uma certa autonomia de cada centro provincial, semelhante a um modelo federativo para a organização maçônica nacional, o que não atendia as pretensões do oriente fluminense de centralização de todas as atividades. Assim, os diversos modelos de organização maçônica encontravam-se em choque na pretensão da criação de uma obediência nacional.

O projeto de um oriente nacional encontrou obstáculos de diversas naturezas, sejam elas maçônicas ou da própria conjuntura política do processo de emancipação nacional. O encerramento das atividades do oriente fluminense impossibilitou a centralização maçônica por parte do Rio de Janeiro naquele momento.

Pernambuco e a 6 de março

Pernambuco era sem dúvidas uma das províncias, em conjunto à Bahia e ao próprio Rio de Janeiro, com a mais longeva atividade maçônica no Brasil. Ainda que suas principais lideranças tenham sido mortas ou exiladas após os acontecimentos da Revolução Pernambucana de 1817, após a anistia dos antigos revoltosos pernambucanos em 1821 pelas Cortes de Lisboa, houve uma rápida retomada das atividades maçônicas na província, sobretudo a partir da fundação da loja 6 de março de 1817.

A referida loja teve sua existência garantida pela sua vinculação a alguma potência dos Estados Unidos. Filiar-se à uma potência maçônica internacional não era uma experiência exclusiva dessa loja pernambucana, mas antes uma opção política, uma vez que as obediências estadunidenses, principalmente a Grande Loja de Nova Iorque, foram durante todo o século XIX um dos mais importantes centros difusores da maçonaria nas Américas, sendo também uma das mais antigas potencias maçônicas do continente. Com lojas filiadas em várias partes da América, a Grande Loja de Nova Iorque garantiu a construção de redes de articulação e circularidade de seus membros por todo o continente, para além das fronteiras nacionais173.

A maçonaria pernambucana era, diferentemente da tradição das demais formações luso-brasileiras da irmandade, profundamente ligada aos quadros maçônicos anglo-saxões. Porém, se a formação anterior a 1817 era vinculada aos quadros ingleses, desde a Revolução Pernambucana se vinculou aos quadros estadunidenses, com seus laços estreitados pela permanência do Cabugá e de outros revolucionários nos Estados Unidos, mesmo após a anistia aos revolucionários em 1821174.

O quadro de membros da 6 de Março era composto em sua maior parte por irmãos remanescentes de 1817, anistiados após 1821. Seu próprio fundador, Guimarães Peixoto, pertencia a esta lista de irmãos. Este optou por não utilizar o nome anterior da loja, Guatimozim, renomeando-a em homenagem ao levante pernambucano. Parte de seus membros tomaram parte nas juntas provisórias de Pernambuco, colocando-se em oposição ao governador Luis do Rego, enviado pela coroa portuguesa para sufocar os revolucionários pernambucanos, sendo expulso da província em 1821175.

Os quadros pernambucanos, ampliados após a independência, eram compostos sobretudo por brasileiros, seguindo a tradição das lojas pernambucanas de não permitir a filiação de portugueses. Além de brasileiros, as lojas, principalmente a 6 de março tinham entre os irmãos alguns americanos ligados ao grupo do cônsul Joseph Ray176. Dentre os membros brasileiros, recebeu destaque Frei Caneca177, maçom de 1817 e que em seu retorno à província teria composto os quadros da loja.do primeiro quarto do XIX, mas também por sua não identificação pública com a fraternidade, como em “Sobre as Sociedades Secretas em Pernambuco” de 1825178. A 6 de março estava vinculada às elites pernambucanas, cuja adesão era importante ao oriente fluminense, uma vez que para o grupo do Rio de Janeiro o apoio da principal loja pernambucana não apenas consolidaria seu projeto de potência nacional, mas representaria maior possibilidade de vinculação de outros locais ao pretenso oriente, soaria como uma espécie de aval para outras filiações.

Mas a filiação a uma potência dos Estados Unidos garantia uma proteção e respaldo muito maior a suas atividades do que a adesão ao oriente fluminense. Além disso, não pertencia as tradições das lideranças da loja, naquele momento, a preocupação com a construção de uma obediência nacional, mas sim a garantia das autonomias das maçonarias locais, em uma organização muito mais próxima ao modelo de Grandes Lojas estaduais dos Estados Unidos.

A escolha do emissário do Grande Oriente Brasílico para Pernambuco também resultou em outro obstáculo. O emissário era Felipe Nery Ferreira, então enviado pelo governo pernambucano como representante nas negociações entre o governo do Rio de Janeiro e a junta de governo liderada por Gervásio Pires. Ao enviar Nery como emissário, José Bonifácio teria o instruído não apenas como representante maçom, mas principalmente como encarregado de atrair os membros do governo pernambucano ao modelo de governo imperial defendido por ele179.

Nery encontraria dificuldades em suas atribuições como representante maçom, uma vez que as atividades do oriente fluminense foram encerradas antes de qualquer possibilidade de construção de simpatia por parte dos maçons pernambucanos, que viam com desconfianças o aceno de Bonifácio aos grupos políticos da província, sobretudo aos membros da junta de Gervásio.

As desconfianças mútuas entre Bonifácio e os pernambucanos se acirrou após a suspensão dos trabalhos do Grande Oriente Brasílico e da instauração da devassa contra as lideranças da maçonaria fluminense, principalmente pelo acolhimento em Pernambuco de João Soares Lisboa. Lisboa era um dos principais membros arrolados na devassa contra os maçons fluminenses e o único julgado culpado, à revelia, durante o processo180.

Mesmo com a adesão de Pernambuco à independência e o envio de seus representantes para a Assembleia Constituinte, as relações entre o centro e província não eram pacíficas. A deputação pernambucana entrou em choque por diversas vezes com as pretensões do grupo de Bonifácio nas discussões na assembleia, além de serem opositores ao projeto de lei sobre a proibição das sociedades secretas181.

A despeito da aprovação da lei das sociedades secretas, a loja pernambucana manteve-se ativa apesar das pressões da corte, congregando os irmãos do Norte. Esta articulação, todavia, não era de todo confortável aos irmãos da porção centro sul do país, tendo em vista os conflitos entre os quadros durante 1817, quando alguns irmãos ligados ao Rio de Janeiro foram excluídos dos planos do levante. Esta exclusão manteve a maçonaria pernambucana em permanente tensão com irmãos de outras províncias, principalmente do centro sul182.

Pernambuco, depois de uma fase de indecisão, acabou por aderir ao processo de independência brasileira183, assim como à convocação de eleições para a assembleia constituinte. Entretanto, após o fechamento da Assembleia, as críticas em Pernambuco aos desdobramentos políticos do final de 1823, além da outorga da Constituição em março de 1824 se fizeram mais violentas, perceptíveis nos textos escritos por Caneca184.

Os acontecimentos de fins de 1823 e princípios de 1824 acirraram os ânimos dos maçons da província, levando a loja, segundo a bibliografia maçônica, a opor-se ao governo: “a Seis de Março, uma das poucas lojas que funcionavam no Brasil, verificou que era preciso reencetar a propaganda das congêneres que a antecederam em 1817. Bateu-se pela forma republicana e abraçou a ideia de uma confederação do Equador”185. Nas formulações sobre os rumos do levante e da própria Confederação do Equador, diferentemente da revolução anterior, as lojas maçônicas, contudo, não teriam tido a mesma centralidade, embora grande parte dos seus membros tenha não apenas apoiado o movimento, mas composto os quadros centrais do governo instalado, sendo que os principais líderes eram membros da maçonaria pernambucana.

Não há uma referência completa sobre o número de maçons existentes em Pernambuco e nem mesmo no Ceará durante o período da Confederação do Equador. Ao não aderir ao antigo oriente fluminense as memórias sobre o funcionamento e extensão do papel das lojas não passou ao “cânone” da instituição, uma vez que esta foi elaborada e escrita pelos maçons fluminenses, preocupados desde a década de 1830 em construir uma memória institucional que reforçasse a importância e mesmo uma centralidade da maçonaria pelo Rio de Janeiro. Fabricando uma memória que homogeneizasse os discursos e ações em torno dos ideais fluminenses sobre a própria ordem maçônica.

Da mesma forma, pouco se conhece sobre os vínculos mantidos entre os maçons pernambucanos e os membros da fraternidade na Bahia, ainda que algumas indicações sobre estas apareçam como passagem de referência popular sobre os desdobramentos da Revolta dos Periquitos em Salvador, cuja adesão ao projeto da Confederação do Equador teria sido facilitada pelas relações maçônicas entre as duas províncias, ainda que a revolta tenha sido logo sufocada186.

O governo da Confederação do Equador contava, entre seus membros, com os irmãos Manoel de Carvalho Paes de Andrade, José da Natividade Saldanha, João Soares Lisboa e o próprio Frei Caneca. A composição da cúpula do governo por membros da maçonaria implicava menos um projeto de nação para Pernambuco moldado entre as colunas das lojas do que o papel da irmandade como local de circulação das elites pernambucanas e da construção de sociabilidades187.

Não apenas do lado dos Confederados estavam os maçons, dentre os quadros enviados por d. Pedro para a província, já em 1821, e depois para debelar o movimento havia senão iniciados, ao menos simpatizantes ou com laços próximos a estes. Exemplo disto é a nomeação para o governo da província de José Carlos Mayrink da Silva Ferrão, homem próximo aos maçons pernambucanos por sua participação indireta na revolução de 1817. Além disso, o Imperador enviou tropas chefiadas pelo Almirante Cochrane, também maçom, iniciado na Inglaterra e membro da loja Bouclier D´Honnuer do Rio de Janeiro. As tropas também foram lideradas pelo Brigadeiro Francisco de Lima e Silva, que embora não fosse membro da irmandade, era próximo a estes, sendo um de seus irmãos membro da extinta loja Comércio e Artes.

O desmonte do processo revolucionário de 1824 passou pela prisão e condenação por pena capital de boa parte de suas lideranças. Alguns de seus líderes acabaram fugindo para o exílio antes do confronto final, dentre eles o próprio Paes de Andrade e seu grupo. Aqueles cercados em Olinda, dentre eles Frei Caneca, foram executados após julgamento pela Comissão Militar para tal instituída.

Ao lado de Caneca, foi executado um cidadão estadunidense de nome James Heide Rodgers, de quem os dados e as motivações sobre sua presença em Pernambuco são quase inexistentes. Entretanto, sua execução representou um contratempo diplomático, uma vez que o Chargé d´Affaires brasileiro nos Estados Unidos, José Silvestre Rebello, foi chamado a dar explicações a um congressista americano sobre o ocorrido. Rebello, entretanto, teria alertado o governo estadunidense sobre a prisão de Rodgers, não sendo atendido sobre o fato188.

Ao final da Confederação do Equador, a maçonaria brasileira perdeu seu maior núcleo centralizador, o que resultou em novas articulações e formulações às ações da irmandade para não apenas garantir a existência dos maçons, mas também dar continuidade a articulações políticas de resistência ao governo imperial.

Para além do desmonte da maçonaria pernambucana, a supressão da Confederação do Equador significou um duro golpe a resistência da manutenção das atividades maçônicas no Brasil, uma vez que a desagregação da loja 6 de março significou não apenas o fim de um centro catalizador das ações da fraternidade, mas também a perda da proteção oferecida pelo pertencimento da loja aos Estados Unidos, inaugurando assim a real efetividade da aplicação da lei das Sociedades Secretas.

Após as vinculações entre o processo revolucionário no Norte e a maçonaria, a repressão a qualquer atividade da ordem se tornou mais efetiva, uma vez que a Confederação do Equador demonstrava, segundo o governo central, a necessidade da lei para coibir as ações de grupos contrários ao governo pedrino com base na atuação de sociedades secretas, cujo único fim seria o uso político para ameaça da unidade nacional.

Entre o fim da Confederação do Equador e o início de novas atividades maçônicas algum tempo depois, poucas vozes se pronunciaram sobre a defesa da fraternidade no Brasil. Assim como não há registros sobre atividades de lojas, ainda que estas possam ter funcionado à revelia da memória institucional ou de forma muito desordenada, dadas as dificuldades de vinculação dos irmãos e da própria organização de reuniões com o crescimento da fiscalização sobre estas atividades.

Durante o ano de 1825, porém, houve uma retomada da defesa da existência e da importância da maçonaria para a vida pública brasileira a partir da publicação de Moniz Barreto, antigo membro do antigo oriente fluminense, no Despertador Constitucional extraordinário número 3, em um artigo intitulado “Reflexões sobre a Maçonaria em geral, em particular do Oriente Brasílico”. Moniz Barreto tece uma longa defesa sobre a atuação da maçonaria no Brasil, buscando convencer o leitor de que a ordem não era um local de construção de conspirações contra o governo, relembrando a importância da maçonaria nas lutas pela independência e da defesa ao imperador189.

Moniz Barreto, ainda em 1823190 havia publicado um manifesto em sua defesa contra o processo arrolado da devassa de 1822. Sua estratégia, tanto na publicação de 1823 quanto na de 1825 era o reforço do argumento de que a maçonaria não era contrária ao governo ou ao próprio país, tendo ela exercido um papel fundamental como fiadora do processo de independência e na defesa do próprio imperador em 1822, desde a articulação do Dia do Fico até a consolidação da coroação e aclamação de dom Pedro.

O manifesto de Moniz Barreto suscitou uma forte resposta por parte dos grupos governistas, saindo da pena do Padre Luiz Gonçalves dos Santos, o padre Perereca, o qual se referiu a Moniz Barreto em seu O Vovô Maçom, ou o golpe de vista do Despertador Constitucional Extraordinário; referindo-se à idade de Moniz Barreto, então com 77 anos. Essa publicação tinha como objetivo não apenas desacreditar Moniz Barreto, mas principalmente manter o ataque dos grupos pedrinos a uma possível rearticulação das atividades maçônicas, principalmente no Rio de Janeiro. Dado que a fraternidade para estes grupos era propícia para a reunião e articulação de grupos contrários aos interesses do governo, sobretudo dos grupos oposicionistas que poderiam ganhar maior poder de voz a partir da inauguração do poder legislativo nacional em 1826.

Os ataques a Moniz Barreto e as respostas deste às publicações e a própria maçonaria ocupariam parte dos debates políticos na metade de 1825. Para os grupos governistas, era fundamental uma propaganda sobre a maçonaria como inimiga do Brasil, local de fomento de rebeliões e conspirações contra diversas instituições e contra o próprio imperador, imagem essa construída para a opinião pública à revelia das defesas de Moniz Barreto sobre as ações da maçonaria do Brasil durante a independência e sobre a necessidade da existência de instituições que congregassem grupos diversos para a construção dos debates nacionais.

Ao mesmo tempo em que os ataques a maçonaria cresciam no Rio de Janeiro, e mesmo em outros locais a partir da circulação de panfletos e jornais, a ordem buscava uma nova forma de articulação que passasse despercebida ou pouco detectável aos radares do governo central, fossem nas províncias ou na cidade do Rio de Janeiro, palco fundamental dos acontecimentos e debates políticos após a independência.

A forma encontrada para tal construção seria a de articulação de diversos núcleos, aliados à diversas tradições da fraternidade pelo mundo, formando a partir de 1825 uma nova forma de funcionamento da maçonaria no Brasil, cujo ineditismo estava relacionado à realidade política e institucional do período. O nome escolhido para tal novo núcleo é profundamente sugestivo quanto ao projeto político de seus membros: A Vigilância da Pátria.

Continua…

Autora: Pilar Ferrer Gomez

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em História – 2022.

Link: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-06102022-120353/en.php

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Notas

170 MENEZES, op. cit., p 28.

171 MENEZES, op. cit., p 41.

172 MENEZES, op. cit., p. 44.

173 DANTAS, Monica Duarte, “Uma irmandade entre hemisférios: Brasil e Estados Unidos e a expansão da maçonaria nas primeiras décadas do século XIX (de ideias, sujeitos e obediências)”, Projeto para Bolsa Produtividade do CNPq, 2018, inédito, gentilmente cedido pela autora.

174 CASTELLANI & CARVALHO, op. cit., pp. 69-71.

175 A composição completa dos membros da loja se localiza em MELO, Mário, op. cit., pp. 19-20.

176 Sobre a atuação de Joseph Ray no Brasil, cf. RABELO, op. cit., pp. 102-186.

177 Discute-se muito dentro da própria memória maçônica se de fato Caneca seria um maçom iniciado ou não. Ainda que para muitos Caneca demonstre um profundo conhecimento sobre a fraternidade, como demonstrados na série de cartas “De Pítia para Damião”, sobretudo na Carta V, outros duvidam de sua filiação não apenas pelo desconhecimento de seu local de iniciação, o que não é uma exclusividade de Caneca, mas quase uma constante dos maçons brasileiros.

178 Ver MELLO, Antonio Joaquim de. Obras políticas e Litterarias de Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. Recife: Typografia Mercantil, 1875.

179 MELO, op. cit., p. 126.

180 Sobre as ações de Silva Lisboa na maçonaria e posteriormente em Pernambuco ver FERREIRA, P. B. C. Negócios, impressos e política: a trajetória pública de João Soares Lisboa (1800-1824). Campinas, Tese de Doutorado, Unicamp, 2017.

181 Na sessão de 02 de setembro, durante a votação final da lei das Sociedades Secretas, Andrada Machado manda buscar os deputados fora do plenário para constituir quórum de votação dizendo que estes “devem estar todos reunidos em Pernambuco”. Sessão de 02 de setembro de 1823. Diários da Assembleia Geral Constituinte.

182 A opção pernambucana de isolar a maçonaria fluminense dos planos do levante de 1817 provocou um longo processo de desconfiança dos irmãos após o episódio. MELO, Evaldo, op. cit., p. 42.

183 Sobre a fase de indecisão pernambucana e sua adesão à independência ver BERNARDES, Denis, O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822, São Paulo, Hucitec/ FAPESP; Recife, UFPE, 2006.

184 Os escritos de Frei Caneca sobre o governo se concentram sobretudo em seu Typhis Pernambucano. Para uma biografia e análise das ações de Frei Caneca cf. MELLO, Evaldo Cabral de. Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. São Paulo: Editora 34, 2001.

185 MELO, Mário, A maçonaria no Brasil. In: Livro maçônico do centenário. Rio de Janeiro: Grande Oriente do Brasil, 1922, pág.21.

186 Sobre a Revolta dos Periquitos e suas relações com a maçonaria ver TAVARES, Luis Henrique Dias. Da Sedição de 1798 à Revolta de 1824 na Bahia. São Paulo: Unesp, 2003, pp. 187-196.

187 MELLO, Evaldo Cabral de. A outra Independência. O federalismo pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: Editora 34, 2004.

188 CRUZ, Abner Neemias da, As práticas políticas de Silvestre Rebello: um diplomata brasileiro nos Estados Unidos Da América (1824-1829). Franca, Dissertação de Mestrado, UNESP, 2015, pp 114-115.

189 BARATA, op. cit., p. 301.

190 BARATA, op. cit., p. 303.

A “Vigilância da Pátria” – A ação da maçonaria brasileira durante a década proibida (1822-1831) – Parte III

1.2 – A Loja “Comércio e Artes”

Entre os anos 1818 e 1821, existem poucas informações sobre a sobrevivência de reuniões maçônicas no Brasil, sobretudo aquelas acontecidas no Rio de Janeiro. Segundo Célia Azevedo108, a ausência de relatos sobre a permanência de articulações maçônicas diversas decorre da tentativa de construção de uma memória maçônica pelos irmãos do Rio de Janeiro, interessados em enaltecer a origem do Grande Oriente do Brasil como potência legítima e única regular da maçonaria do Brasil.

A supressão do Alvará de 1818 favoreceu a rearticulação das atividades maçônicas nos dois lados do Atlântico109. A criação de novas oficinas ou a reorganização de antigas lojas recolocou, em novos termos, as disputas que dividiam os irmãos brasileiros110. Esse processo de rearticulação da fraternidade foi especialmente significativo no Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, mas também em Minas Gerais e no Ceará.

Um novo Oriente

A primeira oficina reaberta teria sido a antiga loja Comércio e Artes. Esta teria sido fundada em 12 de outubro de 1815, na casa do doutor João José Vahia, um sobrado na rua Pedreira da Glória111, tendo como venerável mestre o cônego Januário da Cunha Barbosa, e teria funcionado até a proibição imposta pelo alvará de 1818. Sendo refundada, em 24 de junho de 1821, passou a funcionar na casa do capitão de mar-e-guerra José Domingos de Ataíde Moncorvo, na esquina da Rua do Fogo com Rua das Violas112, tendo novamente como venerável o cônego Januário. À medida em que os quadros da Comércio se ampliaram, a loja foi transferida para um sobrado na Rua do Conde113.

Após a Comércio, houve a fundação de uma nova loja em Pernambuco, reagrupando os antigos quadros da loja Guatimozim do Recife, além dos remanescentes das demais oficinas pernambucanas. Esta nova loja recebeu o nome de 06 de março de 1817114, em homenagem ao movimento ocorrido anteriormente, sendo fundada por Guimarães Peixoto, que havia sido recém anistiado, e que possuía carta de filiação oriunda de alguma das potências dos Estados Unidos115.

A criação ou reorganização das lojas durante os anos de 1821 e 1822 trouxe novo fôlego para as atividades maçônicas no Brasil, ainda que norteada por projetos distintos tanto com relação a própria organização da ordem, como quanto às expectativas e pretensões de seus membros. A expansão das lojas não se deu de forma imediata uma vez que ainda sofria os efeitos da perseguição imposta pelo alvará, seus membros ainda se mostravam desconfiados com relação a aplicação de alguma pena. Apesar das notícias sobre a abertura de lojas, não há maiores informações sobre o número de oficinas efetivamente fundadas a partir de 1821116.

Na corte, o aumento do número de membros da Comércio e Artes acabou por possibilitar não só a ampliação de oficinas, mas também a criação de uma nova potência maçônica brasileira, o Grande Oriente Brasílico. A maçonaria do Rio de Janeiro via na fundação de uma nova potência a possibilidade de centralizar os quadros maçônicos no Brasil sob o comando da loja Comércio e Artes e de seu grupo majoritário liderado por Gonçalves Ledo, José Clemente e Januário Barboza117. Em 20 de junho de 1822, o venerável da loja Comércio e Artes, João Mendes Viana, instalou o Grande Oriente do Brasil, dividindo aquela loja em três outras, sendo estas a Comércio e Artes da Idade do Ouro, Esperança de Niterói, e União e Tranquilidade118. Nesta mesma sessão, foi aclamado como Grão Mestre José Bonifácio de Andrada e Silva119, o qual não estava presente na reunião, mas aceitou o cargo após ser comunicado. Chama a atenção que a escolha do Grão Mestre não tenha se dado entre os presentes ou mesmo recaído sobre o venerável da loja original. Para Colussi, tal escolha significava uma aproximação com o próprio príncipe regente e seu grupo mais próximo120.

Embora se arrogasse como uma potência maçônica para todo o país, o Grande Oriente Brasílico era formado originalmente apenas pelos quadros da loja Comércio e Artes121. Seus membros foram distribuídos por sorteio na sessão de 24 de junho, num sítio do Porto do Méier122, atendendo ao número mínimo exigido pelas regras da maçonaria à época, para a criação de uma potência seria necessárias ao menos três lojas. Para Colussi, a criação desse Oriente estava relacionada às pretensões de seus membros de conduzir o processo político que emergira com a Revolução do Porto e a convocação das Cortes de Lisboa123.

Assim, o grupo fundador do Grande Oriente Brasílico era formado, sobretudo, por irmãos da cidade do Rio de Janeiro, figuras ligadas à administração pública, militares e comerciantes. Eram indivíduos cuja vida pública se imbricava com o cotidiano da corte e da própria administração do então Reino Unido do Brasil. A construção da memória de que os maçons foram protagonistas do processo político do período foi elaborado por Manoel Menezes e teve grande adesão entre os maçons do século XIX e mesmo pela historiografia. Para Barata, “a maçonaria era assim um espaço privilegiado de discussão e de articulação política, mas também em espaço do confronto entre os diferentes projetos políticos que mobilizavam aqueles homens”124.

Embora se apresentasse como uma potência nacional, a real influência desse Grande Oriente não escapava muito à própria cidade do Rio de Janeiro, o que refletia não apenas nos projetos advogados por seus membros, mas também na conduta quanto à direção das lojas a ele filiadas. Buscou-se uma ampliação dos quadros por meio da atração de novos membros que declarassem semelhantes interesses políticos aos dos membros fundadores desse Grande Oriente125. Mas, ainda que tal projeto de potência possa ter sido centralizado sob os desejos desta elite da corte, não é possível afirmar que de fato assim fosse a formulação final de tal oriente, dado o curto prazo de vida desta potência126.

Para Barata e Colussi, a escolha de José Bonifácio por aclamação para o cargo de Grão-Mestre pode ser entendida como uma estratégia dos grupos da Comércio em atrair para seu núcleo não apenas o grupo de Bonifácio, mas sobretudo o próprio príncipe regente127. Entretanto, Bonifácio pouco frequentou as reuniões do Grande Oriente, alegando demandas de seu cargo político, o que significou na prática que a condução dos trabalhos da obediência esteve sempre sob o comando de Ledo, na figura de 1º vigilante128.

A existência de grupos com projetos distintos era bastante comum na fraternidade como um todo, em diferentes partes do globo, mas, no caso brasileiro o que desperta a curiosidade é que entre junho e outubro de 1822, havia o convívio entre supostamente grupos antagônicos no Grande Oriente129. Se de fato ocorreu um convívio tranquilo, tal relação, em meados de 1822, rapidamente se esfacelou no pós-independência.

Uma vez fundada a nova potência, seus membros decidiram enviar delegados a diversas partes onde já havia quadros ou lojas. Conforme as atas, os primeiros delegados foram enviados para a Bahia, seguida por Cisplatina, Pernambuco, Minas Gerais e Ceará130. Ao enviar representantes às lojas de outras províncias, o Oriente fluminense buscava adesão ao seu projeto político e de centralidade maçônica. Por esta razão era fundamental o envio de emissários às lojas do Norte, tanto para o Ceará quanto para Pernambuco, assim como para o extremo sul, na Cisplatina, uma vez que essas regiões correspondiam às preocupações no que se refere ao controle das atividades políticas e maçônicas locais, considerando a possibilidade de fragmentação territorial como as experimentadas na América espanhola.

Entretanto, não é possível afirmar que a totalidade dos locais onde houvesse a presença de maçons articulados tenham retomado suas atividades ou mesmo que estas estivessem mapeadas pela potência fluminense. Chama atenção não apenas a lista de locais para onde foram enviados os emissários, mas também as províncias que ficaram de fora desse movimento. Para além de Minas Gerais, na qual a loja Mineiros Reunidos não abrigava os principais nomes da política mineira do período, outros locais do centro-sul, como São Paulo e mesmo outras localidades da própria província do Rio de Janeiro, não foram incluídos na rota dos delegados131. Segundo Colussi, ao enviar representantes aos locais onde a presença maçônica organizada tinha alguma antiguidade ou locais onde o projeto de Bonifácio e Ledo poderia receber adesões, a nova potência maçônica buscava articular uma rede que garantisse sua primazia sobre as demais localidades, garantisse o controle sobre a própria fraternidade, e sobre os projetos políticos dos irmãos, sobretudo nas províncias do norte, em Pernambuco, onde as aspirações dos membros destoavam do projeto fluminense132.

Além de enviar delegados às províncias mencionadas, o Grande Oriente preocupou-se em solicitar para alguns brasileiros maçons em atuação no exterior que garantissem o reconhecimento das potências maçônicas estrangeiras mais importantes. Visando assegurar a regularidade de seus quadros, assim como garantir diversos direitos com o estabelecimento de tratados de reconhecimento mútuo e direitos de visitação dos maçons brasileiros às lojas de outros países.

Nas atas do Grande Oriente está registrado o envio de documentação a Hipólito da Costa para a negociação de reconhecimento junto à Grande Loja de Londres. Hipólito, que havia realizado o mesmo processo em nome do Grande Oriente Lusitano, em 1802, fora iniciado maçom, em 1799, pela Washington Lodge 59, pertencente à Grande Loja da Filadélfia133.

Os Annaes Fluminenses indicam que a patente de reconhecimento inglesa foi emitida, assim como obtiveram o reconhecimento por parte de Portugal, França e Estados Unidos, embora não identifique quais os emissários que participaram destas negociações134. Acredita-se, entretanto, que as negociações com a França foram realizadas por João Paulo dos Santos Barreto, que retornou ao Brasil, no final de 1822, como delegado do Grande Oriente de França junto à potência nacional, com carta delegada para fundação de lojas no país135.

A maçonaria brasileira mesmo contando com membros de destaque na administração régia, a iniciação mais significativa foi, sem dúvida, a do príncipe regente d. Pedro, em 5 de agosto, assumindo o nome de Guatimozim, e recebendo o grau de mestre na sessão de 8 de agosto. A partir de então, todas as candidaturas de iniciação passaram a ter como critério a adesão à independência do Brasil. A atração do príncipe para os quadros da maçonaria, por convite de Bonifácio, significava para a ordem a consolidação de seu projeto de independência e de centralidade da potência fluminense136.

É possível que a imposição da adesão à causa da independência seja a razão para a não filiação da loja Le Bouclier d’Honneur – fundada em 20 de maio de 1822 e que buscava se vincular ao Grande Oriente da França – à nova potência fluminense. Barata destacou que essa oficina tinha entre seus membros um contingente grande de estrangeiros, sobretudo franceses, ingleses e portugueses, sendo seu venerável François Manquoel, veterinário membro da Academia Real. Entretanto, na sessão de 20 de agosto, os irmãos da Bouclier recorreram ao Grande Oriente para solicitar a sua mediação em um conflito interno à loja, com trocas de acusações entre seus membros. Foram nomeados para investigação e reorganização da referida loja os maçons major Manoel dos Santos Portugal, o capitão João Mendes Viana e Joaquim Gonçalves Ledo137.

Assim como a Bouclier, a loja 6 de março não chegou a se filiar ao Grande Oriente Brasílico. Conforme Mário Melo a oficina pernambucana, , não teria tido tempo hábil para rever sua vinculação a uma das potências dos Estados Unidos e para ponderar sobre a sua filiação ao Grande Oriente de 1822, já que quando o delegado, Felippe Nery Ferreira, chegou a Pernambuco, o processo de fechamento da potência fluminense já vigorava138.

Diferentemente do ocorrido com a Bouclier e com a 6 de Março, a oficina Mineiros Reunidos, localizada em Ouro Preto – fundada em 1822 por Guido Tomaz Marliére, um militar de origem francesa à serviço da coroa portuguesa – enviou um delegado para efetivar sua filiação ao novo Oriente, sendo esta filiação aprovada, ainda que não constem maiores informações nos documentos do Grande Oriente139.

Apesar das mobilizações dos irmãos entre agosto e setembro de 1822, o Oriente Brasílico teve vida curta. A partir de outubro as disputas e tensões envolvendo as diferentes posições políticas dos irmãos se fizeram mais profundas, dividindo os quadros sob influência das principais lideranças, de um lado Ledo e Januário da Cunha Barbosa e, de outro, José Bonifácio140.

Como forma de articulação política após a independência, Pedro I foi escolhido como Grão-Mestre da maçonaria brasileira em 7 de outubro de 1822141, logo após a sua aclamação como Imperador e Defensor Perpétuo do Brasil. Segundo Colussi, tal ação atendia aos interesses do grupo liderado por Ledo e Januário na medida em que buscava neutralizar as lideranças ligadas a José Bonifácio dentro do Oriente142. Após a independência esses conflitos trariam consequências funestas para a ordem maçônica no Brasil.

A suspensão oficial e novos centros

As disputas políticas entre os grupos de Ledo e Bonifácio levaram à multiplicação das sociedades secretas no Rio de Janeiro. Sendo o grupo de Ledo majoritário dentro da maçonaria brasileira naquele momento, aqueles que apoiavam os Andrada se vincularam a uma outra sociedade, a Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz, tradicionalmente conhecida como Apostolado em função do nome de seu conselho central143.

O Apostolado tinha um caráter proto-maçônico ou, segundo Barata, poderia ser visto como uma potência concorrente com o Grande Oriente, s com características próprias que não necessariamente condiziam com as práticas da fraternidade. O Apostolado foi criado por José Bonifácio em 2 de junho de 1822, tendo em seus quadros diversos maçons. A ação dessa sociedade se concentrou sobretudo em reunir os grupos ligados a José Bonifácio e seu projeto político, ainda que não necessariamente contrários ao projeto do grupo forte da maçonaria brasileira144.

Assim como o Grande Oriente, o Apostolado discutiu em suas reuniões um projeto de constituição, assim como diversas proposições políticas, num esforço em “fundar e definir as regras do espaço público”145. Embora houvesse semelhantes posicionamentos com relação a defesa de uma monarquia constitucional e do processo de independência, em alguma medida estabeleceu-se uma disputa entre essas duas “facções” na política nacional. Alguns maçons atuantes na década de 1820 relacionaram essa disputa como um projeto da Santa Aliança no Brasil ou um clube de aristocratas146.

Essa oposição entre os grupos de Ledo (Grande Oriente) e de Bonifácio (Apostolado) acabou por desencadear um processo de devassa contra as principais lideranças maçônicas, por ordem do ministério Andradino e que ficou conhecido como a Bonifácia. Segundo Barata, ainda que o processo visasse os maçons do Grande Oriente, eles não foram acusados por sua participação na irmandade, mas sim por Carbonária147 e por conspirar contra o trono. Foram arrolados no processo os principais líderes da potência maçônica, com destaque para Joaquim Gonçalves Ledo, Januário da Cunha Barbosa, José Clemente Pereira, dentre outros148.

Com a instauração da devassa, d. Pedro ordenou, por meio de um bilhete enviado a Gonçalves Ledo, a suspensão dos trabalhos maçônicos no Rio de Janeiro em 25 de outubro de 1822. Três dias depois, em 28 de outubro, ele voltaria atrás, autorizando as reuniões maçônicas, mas vários dos líderes estavam presos ou exilados149. Depois disso, o Imperador mandou recolher todo o mobiliário, livros e demais objetos das três lojas, enviando-as para a Quinta do Caju, onde, segundo relatos posteriores feitos por Manoel Joaquim de Menezes em seu Exposição Histórica da Maçonaria no Brasil, o monarca teria tentado instalar uma loja composta de parte dos quadros remanescentes, os quais, contudo, teriam rejeitado a oferta150.

Após o fechamento do Grande Oriente, o Apostolado teria vida curta, sendo fechado em junho de 1823, quando o próprio imperador interrompeu uma sessão, presidida por Antonio Carlos, enquanto José Bonifácio teria permanecido na Quinta da Boa Vista em companhia da imperatriz151.

Entretanto, apesar de encerrados os trabalhos do Grande Oriente, algumas lojas sobreviveram, levando a atuação maçônica de volta ao seu centro de dispersão original, o Norte.

A sobrevivência das lojas

As poucas lojas que sobreviveram nesse contexto foram, sobretudo, aquelas não filiadas (originalmente) ao Grande Oriente Brasílico ou que se localizavam distantes do Rio de Janeiro.

Das lojas da corte, a Bouclier teria sobrevivido ao fechamento ao menos até 1823, em razão de sua filiação ao Grande Oriente de França. Mas além desta, alguns membros da Comércio e Artes teriam resistido, mantendo os trabalhos mesmo após a proibição, com o cuidado de evitarem repetir os lugares de reunião e queimando as atas após as sessões152.

Distante do Rio de Janeiro, a Mineiros Reunidos também continuou em funcionamento. Os irmãos apresentaram uma petição ao presidente da província para a manutenção dos trabalhos, e continuaram em atividade ao menos até 1824. O grupo mineiro, mais distante da capital imperial, ficou longe das disputas da corte em 1822, mantendo-se como um corpo maçônico organizado, não sendo atingido pelo processo da Bonifácia153.

A oficina que apresentou um quadro mais estável em funcionamento, não tendo vinculação com o Oriente do Rio de Janeiro e contando com a garantia de proteção de alguma potência dos Estados Unidos, foi a loja 6 de Março, em Pernambuco. Composta não apenas pelos irmãos sobreviventes à Revolução Pernambucana, e tendo seus quadros ampliados após sua fundação em 1821, a oficina também contava com alguns membros vindos dos Estados Unidos, com destaque para Joseph Ray, cônsul dos Estados Unidos no Recife154.

Para além das mencionadas lojas em atividade em Minas Gerais e Pernambuco, Barata indica que algumas, em outras regiões, também teriam resistido ao fechamento do Grande Oriente. Por exemplo, havia uma oficina em Salvador que teria funcionado ao menos até julho de 1824155.

Assim que foram abertos os trabalhos na Assembleia Constituinte e Legislativa, em 3 de maio de 1823, a questão da perseguição às sociedades secretas voltou à discussão. Ainda na sessão do dia 7 de maio de 1823, o deputado João Antônio Rodrigues de Carvalho apresentou um projeto que não apenas suspendia o mencionado Alvará de 1818, mas visava tornar sem efeito todos os processos contra membros destas sociedades156.

O debate sobre o projeto foi considerado urgente pelos deputados, entrando em primeira discussão na sessão de 17 de maio. Dado que o texto pretendia abarcar todos os maçons processados na devassa do ano anterior, a Bonifácia, seguiram-se debates acalorados. Alguns representantes, dentre eles Antônio Carlos, alegavam que Rodrigues de Carvalho buscava tão somente atender os interesses da maçonaria e de seus amigos maçons presos na Ilha das Cobras. Ao que o deputado proponente respondeu que, apesar de um dia ter pertencido a uma dessas sociedades, este não consistia no seu interesse157. José Bonifácio, por sua vez, alegou que mesmo com a revogação do referido alvará, a legislação, se aprovada, não afetaria os processos da Bonifácia, uma vez que os implicados não haviam sido acusados com base no diploma de 1818, mas sim, como mencionado, por Carbonária e por conspiração contra o trono158.

Entretanto, apesar de tal argumentação, era notório aos deputados, fossem maçons vinculados ou não à potência de 1822, que embora a acusação remetesse ao crime de Carbonária, o real motivo para a instalação da devassa foram as disputas políticas entre o Grande Oriente e o Apostolado mencionadas anteriormente. Ao ordenar a devassa, José Bonifácio buscava desarticular as atividades da maçonaria fluminense, e fragilizar as ações políticas de opositores ao projeto político que defendia159.

Nos debates da Constituinte, os argumentos esgrimidos, contra e favoravelmente, acabaram por modificar o projeto com emendas apresentadas pelo deputado Andrada Machado160. Emendas essas que modificavam o projeto inicial em seu cerne, uma vez que ao invés de propor uma liberdade completa das sociedades, incluindo até a formulação de legislação própria, a emenda apresentada praticamente reeditava o Alvará de 1818 de forma mais branda, modificando a natureza das penas aplicadas, preservando a existência destes grupos mediante autorização e apresentação de listas de membros perante a Intendência Geral de Polícia.

A segunda sessão de discussão do projeto se pautou sobre as emendas161, sobretudo ao artigo 5º, que estabelecia como punição sobre pertencimento às ditas sociedades as mesmas penas referentes aos crimes de rebelião e conspiração, identificando as sociedades secretas como “conventículos”, o que no entendimento dos deputados, principalmente para o grupo apoiador da primeira versão do projeto, excediam em força, uma vez que as naturezas dos delitos seriam completamente diversas.

Entretanto, os deputados não apenas discutiram as punições referentes ao crime, mas antes sobre a natureza das sociedades secretas e a necessidade ou não de proibição destas. Para deputados como José Joaquim Carneiro de Campos, a liberação plena das sociedades secretas passava pelo risco que algumas delas ofereceriam, posição esta que acirrou os debates. Foram feitas acusações de alguns deputados como Francisco Montezuma e José de Souza Mello sobre parte dos deputados se valerem da proibição das sociedades secretas como forma de controle da liberdade de pensamento dos cidadãos, além de exercerem controle sobre as formas de associação nos mesmos moldes do Antigo Regime e do domínio colonial, argumento sustentado nas discussões principalmente pelos padres José Custódio Dias e José Martiniano de Alencar162.

Os debates acerca da proibição ou não das sociedades secretas e as várias emendas que o projeto recebeu acabaram por arrastar as discussões até a sessão de 7 de junho163, após quase um mês de debates, o projeto foi entregue à comissão de redação para finalmente ser apresentado à Assembleia Constituinte para votação final. Entretanto, o projeto permaneceu na comissão até a sessão de 30 de agosto, sendo cobrado pelos deputados para ser posto em votação final.

O adiamento dessa votação final da lei das sociedades secretas não se deve, apenas, as urgências de outros corpos de lei a serem aprovados pela Assembleia. Grande parte dos apoiadores do projeto de lei cuja redação englobava proibições às sociedades secretas e penas por conspiração aos processados, pertenciam ao Apostolado, que também havia sido fechado.

Se o fechamento do Grande Oriente e as emendas de Andrada Machado aparentemente mostravam uma vitória de Bonifácio e de seu grupo ligado ao projeto cortesão enquanto detentores dos rumos políticos do país recém-emancipado, o fechamento do Apostolado representava uma dura derrota a parte deste projeto, promovendo a desarticulação definitiva das principais associações políticas do Rio de Janeiro durante a independência164. Ao determinar o encerramento das atividades de ambas as fraternidades, dom Pedro tomou para si e seu grupo político mais próximo, ainda que muitos desses estivessem ligados à maçonaria ou ao Apostolado, os ditames da política.

Quando o projeto finalmente foi apresentado à assembleia na sessão de 1 de setembro, parte dos deputados questionaram se a lei já não havia sido sancionada, devido ao longo tempo de ausência do texto nas discussões da assembleia, o que abriu uma última rodada de discussões para a sanção final. Tais discussões perpassam as sessões de 3 e 4 de setembro, das quais o taquigrafo da assembleia não registrou os argumentos dos deputados, apenas listou aqueles que pediram a palavra sobre o tema165. Entre aqueles que discursaram destaca-se o nome de Nicolau Vergueiro. Ao fim das discussões, alguns deputados, cujos nomes não foram registrados, se retiraram da assembleia para não votarem o projeto, enquanto os deputados Vergueiro e Ferreira França solicitaram serem excluídos da votação por não terem acompanhado as discussões iniciais166.

Se o projeto original de Rodrigues de Carvalho continha tão somente três artigos, o decreto finalmente aprovado na Assembleia apresentava 10 artigos que alteravam por completo o sentido da proposição original.

Art. 1o Fica revogado e cassado o Alvará de 30 de março de 1818 contra as Sociedades Secretas.

Art. 2o Todos os Processos pendentes em virtude do mesmo Alvará ficam de nenhum efeito, e se porão em perpetuo silencio, como si não tivessem existido. Art. 3o Ficam, porém, proibidas todas as Sociedades Secretas.

Art. 4o Serão consideradas Sociedades Secretas as que não participarem ao Governo sua existência, os fins gerais da associação, com protesto de que se não opõem à Ordem Social, ao Sistema Constitucional estabelecido neste Império, à Moral, e à Religião Cristã; os lugares e tempos dos seus ajuntamentos, e o nome do indivíduo ou indivíduos, que compuserem o governo da Sociedade ou Ordem, e dos que depois se forem sucessivamente seguindo no mesmo governo.

Art. 5o A participação deve ser feita e assignada pelos declarantes encarregados desta obrigação no espaço de quinze dias depois da primeira

reunião, nesta Corte na Intendência Geral da Polícia, e nas outras partes do Império ás Autoridades Civis, e Policiais dos lugares, onde existirem as ditas Sociedades, a fim de receberem do Governo a permissão por escrito.

Art. 6o As Sociedades, porém que tiverem princípios, e fins subversivos da Ordem Social, e do Regime Constitucional deste Império, serão consideradas como Conventículos sediciosos, ou não tenham feito as participações ao Governo, ou as tenham feito falsas.

Art. 7o Os Membros de semelhantes Sociedades, que tiverem restado juramento de seguirem tais doutrinas, e persistirem em adotá-las, como regra de conduta, uma vez que tenham começado a reduzi-las a ato, serão punidos os Cabeças com a pena de morte natural, e os Sócios agentes com degredo perpetuo para galés; os que porém não tiverem mostrado ato algum subversivo, além dos primários, e remotos, serão degradados por toda a vida. Art. 8o Os Membros das Sociedades, que tiverem princípios tão somente opostos à Moral, e a Religião Cristã, si uma vez juramentados, persistindo na adopção de tais doutrinas, as tiverem reduzido a ato, serão degradados por dez anos; e si não tiverem praticado outro ato, além do juramento, e adopção dos princípios sobreditos, serão punidos com três anos de degredo para fora da Província.

Art. 9o Os que forem membros de Sociedades simplesmente Secretas, sem alguma circunstâncias agravantes acima mencionadas, serão degradados pela primeira vez por um mês para fora do Termo, pela Segunda por três meses para fora da Comarca, e pela terceira por um ano para fora da Província.

Art. 10o O processo começará por denuncia, na forma da Lei, tão somente contra certas e determinadas pessoas, no caso das Sociedades simplesmente Secretas; e por denuncia ou devassa especial nos casos dos arts. 6o, 7o e 8o Paço da Assembla, 4 de setembro de 1823.167

A aprovação final do texto se realizou com o quórum mínimo estabelecido no regimento (47), sendo 37 votos a favor e 13 contra168. O texto seguiu para a sanção imperial, sendo publicado em 20 de outubro de 1823.

O decreto da Assembleia Constituinte ensejou um novo, e deletério, momento para a maçonaria brasileira. Após o breve período de liberdade e legalidade, seguido pelo fechamento por ordem do monarca, e doravante por muitos anos uma nova lei proibia as sociedades secretas, ameaçando os maçons das várias partes do império, mas, especialmente, os fluminenses, dada a atuação da Intendência Geral de Polícia.

Esse novo decreto de proibição afetou significativamente as articulações dos irmãos das localidades mais próximas ao Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que impulsionou uma realocação das centralidades maçônicas no Brasil, retornando a região norte, com atuação mais significativa em Pernambuco. Ainda assim, é pouco provável que tenha ocorrido uma suspenção total das atividades da maçonaria no Rio de Janeiro, que contava com lojas não filiados ao Grande Oriente. A própria memória maçônica, ao menos, indica uma sobrevida das atividades de alguns grupos, ainda que estes relatos possivelmente sejam uma construção a posteriori sobre as resistências da fraternidade às perseguições169.

A lei de proibição das sociedades secretas se encontra entre os últimos diplomas aprovados pela Assembleia Constituinte. Com o fechamento da Assembleia e a outorga da Constituição de 1824, inaugura-se uma nova fase de articulação política, sobretudo a partir do processo eleitoral para o novo legislativo nacional, a Câmara e o Senado previstos na carta outorgada.

No que se refere a maçonaria, a partir de 1824 a pressão sobre os maçons se fez ainda mais forte em decorrência da eclosão do novo processo revolucionário no norte do território, implicando uma nova virada nas atividades da fraternidade no país.

Continua…

Autora: Pilar Ferrer Gomez

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em História – 2022.

Link: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-06102022-120353/en.php

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Notas

108 AZEVEDO, op. cit., p. 38.

109 Ainda que o Alvará de 1818 não tenha tido nenhuma aplicação após 1820, o diploma só foi de fato revogado pela Assembleia Constituinte de 1823.

110 BARATA, op. cit., p. 211.

111 Atual Rua Pedro Américo. Embora a memória maçônica fale sobre a rua da Pedreira da Glória como o local de reunião original, alguns maçons acreditam que na verdade as reuniões se localizassem na rua Pedreira da Conceição, localizada mais próxima ao atual centro do Rio de Janeiro que a Pedreira da Glória, então área rural, no que hoje é o bairro do Catete.

112 Respectivamente, atual rua dos Andradas e rua Teófilo Otoni.

113 Atual Rua Frei Caneca. CASTELLANI & CARVALHO, op. cit., p. 85

114 MELO, Mário, op. cit., p. 17.

115 A bibliografia maçônica sempre afirmou que a patente da 06 de março teria sido emitida pela Grande Loja de Nova Iorque. Entretanto, esta não se encontra registrada na Grande Loja de Nova Iorque e tampouco nos Supremos Conselhos que então funcionavam na cidade (Agradeço a Professora Monica Dantas que gentilmente me cedeu as informações sobre os registros de Nova Iorque). Sobre a memória maçônica identificar a patente de origem como oriunda da Grande Loja de Nova Iorque, CASTELLANI & CARVALHO, op. cit., p. 94.

116 A relação das lojas abertas no Brasil, à época, foi fornecida pelos maçons do Rio de Janeiro, o que implica uma eventual exclusão de lojas cujas lideranças não fossem próximas às lideranças fluminenses. AZEVEDO, op. cit., p. 38.

117 BARATA, op. cit., p. 275

118 Livro de Atas de Fundação do Grande Oriente Brasílico, primeira sessão, 28/03/5822 (20 de junho de 1822), apud MENEZES, Manoel Joaquim de. Exposição histórica da maçonaria no Brasil particularmente na província do Rio de Janeiro em relação com a Independência e a integridade do Império. Rio de Janeiro: Empreza Nacional do Diário, 1857, p. 9.

119 A historiografia por muito tempo reafirmou uma divisão entre o chamado grupo Ledo e o grupo Bonifácio. Para Barata, entretanto, este é um debate construído apenas na metade do século XIX pelo próprio Manoel de Menezes, como forma de relativizar a importância de Bonifácio para a ordem, com o qual havia rompido anos antes. BARATA, op. cit., p. 217.

120 COLUSSI, op. cit., p. 90.

121 Não existe, na historiografia ou na produção maçônica, qualquer lista completa dos membros da Comércio e Artes de 1821. São conhecidos apenas os membros da loja que compareceram ao sorteio entre as três lojas na sessão de 24 de junho de 1822, BARATA, op. cit., pp. 270-271.

122 A lista completa de todos os membros sorteados em 1822 encontra-se em BARATA, op. cit., pp. 344- 352.

123 COLUSSI, op. cit., pp. 85-89.

124 BARATA, op. cit., p. 263.

125 BARATA, op. cit., p. 276.

126 Ainda que o Grande Oriente Brasílico tenha se organizado com base nos projetos e aspirações do grupo ligado a corte, não é possível afirmar que ele assim permanecesse, uma vez que a potência sobreviveu apenas até novembro de 1822.

127 Bonifácio tomou posse do cargo de Grão-mestre apenas na sessão de 19 de julho. Em seu discurso de posse, o Grão-mestre fala sobre sua iniciação maçônica ainda em Portugal, iniciação esta discutida pelos maçons após a década de 1850 como verdadeira ou não. BARATA, op. cit., p. 271.

128 BARATA, op. cit.,

129 Posições antagônicas ou disputas no interior de uma loja raras vezes aparecem em uma ata maçônica em qualquer período, salvas exceções de momentos pontuais ou de tensões extremas.

130 Livro de Atas de Fundação do Grande Oriente Brasílico, 3ª Sessão, 09/04/5822 (02/07/1822), apud MENEZES, op. cit., p.18. De acordo com as atas, o procurador encarregado de estabelecer laços como s irmãos da província Cisplatina foi d. Lucas José Obes. Já para Pernambuco primeiramente foram remetidas cartas a Manoel Ignácio, sendo depois enviado o irmão Felippe Nery Ferreira. No caso de Minas Gerais, diplomas foram mandados ao coronel Gomide, médico em Sabará. A loja Mineiros Reunidos enviou petição de filiação, sendo nomeado delegado da oficina, junto ao Grande Oriente, seu venerável Guido Tomas Marliere. Finalmente, foi nomeado delegado para a província do Ceará José Raymundo de Porben Barbosa, presidente da província.

131 COLUSSI, op. cit., p. 91.

132 COLUSSI, op. cit., pp. 91-93.

133 Sobre a iniciação de Hipólito da Costa, ver ARRUDA, Paulo H. de M., “Freemasonry and Cosmopolitanism: The Case of Hipólito José da Costa (1774–1823)”, in BETHENCOURT, Francisco (ed.), Cosmopolitanism in the Portuguese-Speaking World, Leiden, Brill, 2018, p. 149. Para a atuação de Hipólito da Costa e seu envolvimento com a maçonaria ver SANTOS, Bruna Melo dos. Correio Braziliense: um olhar sobre a sociabilidade maçônica (1808-1822), dissertação de mestrado, UERJ, 2012.

134 ANNAES, p. 21.

135 João Paulo Barreto, militar brasileiro, permaneceu na Europa entre 1819 e 1822, estudou engenharia e hidráulica na França, onde foi iniciado na irmandade. Retornou ao Brasil no final de 1822. A Carta Patente emitida em nome de João Paulo Barreto encontra-se nos arquivos da Biblioteca do Supremo Conselho do grau 33º do Rito Escocês Antigo e Aceito, na cidade do Rio de Janeiro. Sua reprodução pode ser encontrada em ASTREA 33: Órgão Official do Supremo Conselho do Brasil. Rio de Janeiro, ano 2, vols. 9 e 10, set. e out., 1923, pp. 333-334.

136 Livro de Atas do Grande Oriente Brasílico, 9ª Sessão, 13/05/5822 (05/08/1822); 10a sessão, 16/05/5822 (08/08/1822), apud MENEZES, op. cit., p. 29-30. BARATA, op. cit., p. 276.

137 Livro de Atas do Grande Oriente Brasílico, 8ª sessão, 11/05/5822 (03/08/1822), apud MENEZES, op. cit., p. 32. Pouco se sabe, porém, sobre o dia a dia da loja ou sua composição, apenas que em 01 de dezembro de 1823 ela recebeu do Grande Oriente da França sua Carta Constitutiva definitiva. BARATA, op. cit., p. 90.

138 Felippe Nery fora ao Rio de Janeiro, juntamente com outros comprovincianos, para protestar junto ao governo a deposição da Junta de Gervásio Pires, retornando a Pernambuco em outubro de 1822. MELO, op. cit., p. 125-127.

139 A tramitação sobre a loja Mineiros Reunidos e seu delegado ao Grande Oriente são referidos na 8ª Sessão do Grande Oriente Brasílico, de 03 de agosto de 1822. Livro de Atas do Grande Oriente Brasílico, 8ª sessão, 11/05/5822 (03/08/1822), apud MENEZES, op. cit., p. 30.

140 BARATA, op. cit., p. 277.

141 Livro de Atas do Grande Oriente Brasílico, 17ª Sessão, 14/07/5822 (07/10/1822), MENEZES, op. cit., p..37

142 COLUSSI, op. cit., 97.

143 BARATA, op. cit., p. 277.

144 Sobre a ação do Apostolado ver BARATA, op. cit., pp. 276-288.

145 BARATA, op. cit., p. 288.

146 BARATA, op. cit., p. 281.

147 A acusação de Carbonaria, sociedade secreta ultrarepublicana é aparentemente comum como forma de processo contra maçons. Acusações do tipo também foram feitas contra maçons em processos na Espanha da década de 1820, por “ameaças ao trono e ao Reino”. Sobre as relações maçônicas com a sociedade Carbonária ver ZAVALA, Iris. Masones, comuneros y carbonarios. Espanha: Siglo XXI,1971, pp. 59-62.

148 Portaria de 02/11/1822. Reproduzida em PROCESSO dos cidadãos Domingos Alves Branco Muniz Barreto, João da Rocha Pinto, Luiz Manoel Alves de Azevedo, Thomas Jozé Tinoco d’Almeida, José Joaquim Gouveia, Joaquim Valério Tavares, João Soares Lisboa, Pedro Jozé da Costa Barros, João Fernandes Lopes, Joaquim Gonçalves Ledo, Luiz Pereira da Nóbrega de Souza Coutinho, Jozé Clemente Pereira, Padre Januário da Cunha Barbosa, e o Padre Antonio João de Lessa. Pronunciados na Devassa a que mandou proceder Jozé Bonifácio d’Andrada e Silva para justificar os acontecimentos do famozo dia 30 de outubro de 1822. Julgados inoncentes por falta de provas (excepto João Soares Lisboa) no Tribunal Supremo da Supplicação da Corte do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Typ. de Silva Porto,1824, pp. 03-04.

149 Livro de Atas do Grande Oriente Brasílico, Termo de Enceramento e Suspensão dos Trabalhos. O termo, embora anotado no livro, aparenta ter sido anotado posteriormente, pela diferença das caligrafias. MENEZES, op. cit., p. 62. BARATA, op. cit., p. 297.

150 MENEZES, op. cit., p 63.

151 BARATA, op. cit., p 287-288.

152 CASTELLANI & CARVALHO, op. cit., 112.

153 MOREL & SOUZA, op. cit., pp. 125-126.

154 MELO, op. cit., p. 21.

155 BARATA, op. cit., p 301.

156 1º Fica desde já cassado e revogado o alvará de 30 de março de 1818, pela barbaridade das penas impostas contra as sociedades secretas. 2º Todos os processos pendentes em virtude do mesmo alvará ficam de nenhum efeito, e se porão em perpetuo silencio, como se não tivessem existido, tendo para esse fim o presente decreto o efeito retroativo. 3º Não é, contudo, da intenção da assembla aprovar e confirmar pelo presente decreto as sociedades secretas, antes deixa para tempo competente a legislação sobre este objeto. Diários da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil (doravante DAGC), 1823. Brasília: Senado Federal 2003, v. 1, p. 63, Sessão de 7 de maio de 1823.

157 DAGC, op. cit., p. 64, Sessão de 7 de maio de 1823.

158 DAGC, op. cit., p. 97, Sessão de 17 de maio de 1823.

159 BARATA, op. cit., p. 298.

160 DAGC, op. cit., pp. 109-111, Sessão de 20 de maio de 1823.

161 DAGC, op. cit., pp. 190-195, Sessão de 30 de maio de 1823.

162 DAGC, op. cit., p. 193, Sessão de 30 de maio de 1823.

163 DAGC, op. cit., v. 2, p. 30, Sessão de 07 de julho de 1823.

164 BARATA, op. cit., p. 299.

165 O secretário da Constituinte anota que as falas dos deputados não puderam ser entendidas por este. DGAC, op. cit., v. 5, p. 40, Sessão de 03 de setembro de 1823.

166 DGAC, op. cit., v.5, p. 41, Sessão de 04 de setembro de 1823.

167 Lei de 20 de outubro de 1823. Revoga o Alvará de 30 de março de 1818 sobre Sociedades Secretas. Colecção das Leis do Império do Brasil, 1823, Parte 1. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887, p. 5 (doravante CLIB).

168 DGAC, op. cit., v.5, p. 41, Sessão de 04 de setembro de 1823.

169 CASTELLANI & CARVALHO, op. cit., 118. BUCHAUL, op. cit., p. 367.